terça-feira, 30 de dezembro de 2014
De Salazar a Soares.
Portugueses ficaram mais ricos durante o Estado Novo
Dinheiro Vivo
Afinal, Salazar não era um lacaio da Igreja. Afinal, a integração europeia não começou com Soares. Estas e outras conclusões estão no terceiro capítulo do livro de Henrique Raposo, «História Politicamente Incorrecta de Portugal Contemporâneo», que o Dinheiro Vivo publica em exclusivo.
«A taxa de crescimento de Portugal durante os anos 2000 foi de 0,6%; nos anos 90 e 80, o país cresceu a 3,1% e 3,6% respectivamente; nos anos 70, cresceu a 4,9% e nos anos 60 a taxa atingiu 5,8%. Os anos 60 são, portanto, o período dourado da nossa economia e, apesar do caos pós-1974, os anos 70 também merecem destaque. Como é que isso foi possível? Em 1970, 1971 e 1972, Portugal conheceu taxas de crescimento chinesas: 8,47%, 10,49% e 10,38%. E estes picos de crescimento asiáticos também surgiram obviamente nos anos 60: 8,8% (1960), 10,53% (1962), 6,05% (1964), 9,41% (1965). Estas taxas de crescimento representaram um quarto de século de convergência em relação aos clubes dos mais ricos. Entre 1961 e 1973, a média de crescimento dos países da OCDE foi de 5%; no mesmo período, Portugal cresceu a 6,9% [...] A percentagem da população beneficiada pelos diferentes regimes da segurança social passou de 13,3% (1960) para 27,5% (1970) e 37,4% (1974). Olhe-se, por exemplo, para os pensionistas: em 1960, existiam 119 586 (56 296 no regime geral e 63 290 na CGA); em 1970, os sistemas abrangiam 260 807 reformados e o número já estava nos 607 084 em 1973; no final deste processo, em 1974, existiam 780 399 pensionistas em Portugal (701 561 no regime geral e 78 838 na Caixa Geral de Aposentações). Terá havido até hoje uma expansão do Estado social tão rápida como esta? [...]
E aqui entra em jogo um facto curioso: entre 1975 e 1980, o ritmo de subida do número de consultas médicas baixou. Pior: o número de consultas entrou em queda na primeira metade da década de 80. Resultado? Em meados da década de 80, o número de consultas era quase idêntico ao número de consultas de meados da década de 70 [...] Se a linha do analfabetismo continuou a descer nos primeiros anos da democracia, o mesmo não se verificou na linha ascendente das conclusões do ensino secundário. Na segunda metade dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80, a percentagem de população com liceu concluído desceu para os níveis do início dos anos 70 [...] Estes números dizem uma coisa muito simples: o Estado social depende da riqueza produzida pela sociedade e não de leis que procuram garantir juridicamente aquilo que não tem garantia jurídica possível. Seja qual for o regime político, uma sociedade só pode criar e manter um Estado social se gerar a riqueza necessária para o pagar. As liberdades políticas, civis e religiosas, sim, podem ser defendidas juridicamente, porque não dependem de qualquer condição material. Mas os direitos sociais só podem ser defendidos através da criação de riqueza e da revitalização demográfica. Entre 1950 e 1973, o PIB per capita português convergiu em relação à Europa ocidental a uma média anual de 1,85%, mas, entre 1973 e 1986, a riqueza dos portugueses entrou em divergência (-0,49%). A divergência foi o sintoma da crise que assolou o país; uma crise provocada por causas externas que afectariam o país mesmo num cenário sem 25 de Abril (crise do petróleo) e por causas internas (o PREC e os seus efeitos) [...]
Como tem uma conceção exclusivamente material e económica da política e da democracia, a intelligentsia portuguesa assume, de imediato, que um intelectual que regista a boa performance económica do Estado Novo só pode estar interessado no branqueamento de Salazar. Convém perceber que estas febres progressistas nascem da deturpação dos conceitos de democracia e de legitimidade política, um problema que infecta o debate intelectual em Portugal [...] Estão aqui em causa dois erros da visão economicista que a esquerda tem da democracia: supõe-se que a democracia cria mais riqueza do que as ditaduras e, logo a seguir, afirma-se que a democracia é superior do ponto de vista moral, precisamente porque cria mais riqueza e proteção social. Por outras palavras, coloca-se um princípio moral na dependência de uma variável económica. Esta visão da democracia e da legitimidade política está errada, e até se torna perigosa em tempos de crise. Porquê? Se fosse levada até à conclusão lógica, esta mundividência progressista teria de retirar legitimidade a uma democracia em empobrecimento económico e social, e teria de dar legitimidade a uma ditadura em enriquecimento e em processo de construção de uma rede de protecção social. Como é que se anula esta falácia? Com uma declaração moral: o constitucionalismo liberal e democrático é um princípio moral que vale por si, logo a sua legitimidade não pode ser transformada numa mera dependência de variáveis económicas que muitas vezes não são controláveis pelos governos (ex.: demografia). A utilidade económica de um regime vai e vem, mas a legitimidade da democracia constitucional não vai nem vem: está sempre no mesmo sítio. A democracia dos EUA não deixou de ser legítima por causa do empobrecimento dos anos 20 e 30. A democracia indiana de Nehru (anos 40 e 50) não deixou de ser legítima por causa das políticas socialistas que empobreceram ainda mais os indianos. E esta moralidade política também funciona no sentido inverso: apesar de ter enriquecido os chilenos com acertadas políticas económicas, Pinochet não foi um líder legítimo. Embora apresente taxas de crescimento maiores, a autoritária China não é mais legítima do que a democrática Índia [...] Da mesma forma, a ilegitimidade autoritária de Salazar e Marcelo não é atenuada pelo desempenho económico e social do Estado Novo. O regime de Salazar e Caetano será sempre ilegítimo, porque usou censura, polícia política, tortura e corrupção eleitoral. Para diminuir o Estado Novo não é necessário esconder a formidável evolução económica e social de 1930 a 1973. As críticas morais e políticas chegam e sobram para deslegitimar o salazarismo [...].»
domingo, 28 de dezembro de 2014
Petição
Caros Amigos,
Acabei de ler e assinar a petição: «Petição Fim da atribuição, antes dos 65 anos, das pensões de reforma aos detentores de cargos públicos e políticos, bem como da sua acumulação» no endereço http://peticaopublica.com/
Pessoalmente concordo com esta petição e cumpro com o dever de a fazer chegar ao maior número de pessoas, que certamente saberão avaliar da sua pertinência e actualidade.
Agradeço que subscrevam a petição e que ajudem na sua divulgação através de um email para os vossos contactos.
Obrigado.
Pedro Veiga
Esta mensagem foi-lhe enviada por Pedro Veiga (pm69.veiga@gmail.com), através do serviço http://peticaopublica.com em relação à Petição http://peticaopublica.com/?pi=
sábado, 27 de dezembro de 2014
Isto é só para se perceber com que «lapsos»
o Estado e nós, pagantes, somos roubados...
A ocasião em que o embaixador percebeu que não há almoços grátis
Público, 31 Agosto 2014
Advogados cobram 1 080 euros ao Estado por terem ido almoçar...
Embaixador Pedro Catarino, presidente da Comissão Permanente de Contrapartidas, cessou contrato com a Sérvulo Correia & Associados, depois de lhe ter sido cobrada a presença de três advogados num almoço e a resposta a uma carta
Pedro Catarino, presidente da CPC, invocou «quebra de confiança» para cessar o contracto com o escritório Sérvulo Correia & Associados. A razão: duas contestadas facturas de honorários
Paulo Pena
Sérvulo Correia |
No dia 4 de Outubro de 2007, o embaixador Pedro Catarino sentou-se à mesa para um almoço, para o qual tinha sido convidado pelo seu velho conhecido, o advogado Bernardo Ayala, sócio da Sérvulo Correia & Associados. Foram duas horas de «amena cavaqueira», na descrição do embaixador, que contaram com a presença de duas advogadas daquele escritório, Lisa Pinto Ferreira e Mafalda Ferreira.
Catarino presidia, desde Janeiro daquele ano, à Comissão Permanente das Contrapartidas (CPC), a estrutura estatal criada no âmbito dos ministérios da Defesa e da Economia, para acompanhar o desenvolvimento dos contractos que prometiam injectar várias centenas de milhões de euros, e resultavam de negociações entre o Estado e os vendedores de veículos e armamento para as Forças Armadas.
Bernardo Ayala e as suas colegas eram parte da equipa da sociedade de advogados que prestava assessoria à CPC desde 2003, quando começaram as contrapartidas a sério: no ano seguinte seria assinado o contracto dos submarinos, que previa o investimento de cerca de mil milhões de euros na economia nacional. Ayala fora, nessa altura, um dos principais arquitectos dos contractos, trabalhando com o Ministério da Defesa chefiado por Paulo Portas.
Dois meses depois do almoço, veio uma conta. A Sérvulo Correia & Associados enviou, como era prática corrente, as facturas do trimestre, para a entidade que pagava os gastos da CPC, a Direcção-Geral do Armamento e Equipamentos da Defesa (DGA- ED). Em Dezembro de 2007, Catarino foi chamado à direcção-geral para conferir. E não ia disposto a assinar de cruz.
No meio de «centenas de horas» de trabalho cobradas pela sociedade de advogados estava uma factura de «duas horas» vezes «três juristas», com um valor de «1 080 euros + IVA». A data: 4/10/2007. Era a conta do almoço. Da reacção imediata de Pedro Catarino não há registo. Mas uma carta do embaixador, de 9 de Janeiro de 2008, endereçada ao DGAED, almirante Viegas Filipe, sintetiza o que o presidente da CPC pensava sobre aquela factura: «Um abuso e deontologicamente reprovável que a Sérvulo Correia venha pedir honorários pelas duas horas que os três juristas passaram comigo em amena cavaqueira».
O Estado recusou pagar aqueles «1 080 euros + IVA», e disso deu nota ao escritório de advogados. A Sérvulo Correia & Associados reconheceu o «erro». E fê-lo por carta. O problema é que a missiva enviada também tinha um preço: «quarenta e cinco minutos» de honorários pela sua escrita. O que deixou Pedro Catarino exasperado. Desta vez, o embaixador escreveu ao próprio ministro, Nuno Severiano Teixeira, dando conta de que cessara o contracto com a sociedade de advogados. Da substituição da Sérvulo Correia pelo Departamento Jurídico do MDN, no seu entender, «resulta uma considerável poupança para o orçamento do MDN e erário público».
Este episódio tinha ficado encerrado, em Junho de 2008, com uma nova carta, de Catarino para o secretário-geral do Ministério da Defesa, pedindo uma lista detalhada com «os montantes despendidos com Sérvulo Correia por serviços prestados à CPC entre 2003 e 2008».
E se hoje este caso é contado, pela primeira vez, no PÚBLICO, é porque causou alguma curiosidade nos deputados que integram a comissão de inquérito às contrapartidas militares. Há cerca de um mês, depondo na comissão de inquérito, Pedro Catarino revelou aos deputados que a CPC vivia na dependência de «escritórios de advogados», que «tinham os arquivos, escreviam as actas, passavam as cartas para inglês». Nessa ocasião, Catarino revelou que resolveu terminar o contracto com a Sérvulo Correia por «quebra de confiança». Mas pediu aos deputados para que não o obrigassem a detalhar as razões, indicando que o fizera por carta para os responsáveis da Defesa da altura.
A Comissão, a pedido de João Semedo do Bloco de Esquerda, solicitou à Direcção-Geral das Actividades Económicas (que guarda o espólio da extinta CPC) essas cartas. Que chegaram há poucos dias a São Bento e já motivaram algumas reacções, quer do deputado José Magalhães, do PS, quer do próprio presidente da comissão, Telmo Correia.
O PÚBLICO contactou Bernardo Ayala que, prontamente, pediu à Ordem dos Advogados que o libertasse do «dever de sigilo profissional» para comentar este caso, que protagonizou em 2007. Ayala confirma parte da história. E disponibilizou uma carta que enviou ao embaixador Pedro Catarino, no dia 10 de Janeiro de 2008. Aí, o advogado assume: «Tratou-se de um convite pessoal e, muito embora a conversa tenha tido cunho profissional, os interesses em causa eram sobretudo da Sérvulo Correia & Associados».
Ao PÚBLICO, Ayala mantém essa ideia, acrescentando que a factura se tratou de um «lapso». «O almoço teve lugar por minha iniciativa e nesses casos não só não imputo os respectivos custos como não contabilizo o tempo inerente para efeitos de facturação». Era prática da sociedade que as horas laborais dos advogados fossem meticulosamente registadas, cabendo depois aos próprios indicar se não fossem destinadas a ser facturadas aos clientes. Na carta, Ayala esclarece: «Esqueci-me, pura e simplesmente, de passar essa relevante informação ao departamento de contabilidade».
Quanto à segunda factura, o advogado «ignorava em absoluto». E explica: «Saí da Sérvulo Correia & Associados em 31 de Março de 2008. É a primeira vez que tomo conhecimento dessa informação». No entanto, Ayala garante que foi ele quem pôs termo à relação profissional, e não a CPC. É assim, aliás, que termina a sua carta para Catarino: «Entendo que esta carta deve marcar o fim dessa nossa colaboração profissional, pois não tenho qualquer desejo de a manter, tendo em conta as expressões que V. Exª escolheu empregar na sua carta».
Hoje, Pedro Catarino é o representante da República nos Açores, nomeado pelo Presidente da República, Cavaco Silva. Bernardo Ayala é sócio da Uría Menéndez-Proença de Carvalho. Foi, até 2012, arguido num processo relacionado com os submarinos, que o Ministério Público arquivou sem que nada lhe fosse «imputado» e sem que tivesse sido sequer «ouvido». Faz parte da lista de depoentes da comissão de inquérito indicados pelos deputados, mas a Ordem dos Advogados recusou levantar-lhe a obrigação de sigilo profissional. Diz-se, contudo «disponível» e até revela ter «interesse» em comparecer no Parlamento.
Para já, o Bloco de Esquerda repetiu o pedido de Pedro Catarino e quer conhecer as depesas feitas com a Sérvulo Correia & Associados. O pedido foi aprovado pela comissão.
QUEM É SÉRVULO CORREIA
É membro do Tribunal Permanente de Arbitragem, em Haia.
Integrou o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 2005 a 2007.
Foi um dos primeiros militantes do Partido Social Democrata, depois do 25 de Abril de 1974.
Integrou o VI Governo Provisório, como Secretário de Estado da Emigração, em 1976.
Entre 1976 e 1979 foi deputado à Assembleia da República, onde exerceu funções como Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD e Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde e Segurança Social.
Foi Secretário-Geral da Comissão Política Nacional do PSD, em 1978.
Em 1979 abandonou o partido, na cisão que deu origem à Acção Social Democrata Independente.
Recebeu em 2008 a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, das mãos de Cavaco.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
1.º de Dezembro:
Carta a Vasco Pulido Valente
JOSÉ RIBEIRO E CASTRO, SOFIA GALVÃO e RICARDO SÁ FERNANDES Público
Vasco Pulido Valente (VPV) escreveu na edição do
PÚBLICO de domingo dia 7 de Dezembro uma crónica intitulada «Feriados», que é
susceptível de induzir o leitor em engano, uma vez que contém erros factuais a
respeito do 1.º de Dezembro e do seu feriado.
1. VPV começa por menosprezar a Restauração e o 1.º
de Dezembro do ponto de vista histórico, com uma leitura ideológica algo
enviesada.
Discordamos, mas não é este o ponto deste texto. A
Restauração, período que vai desde o 1.º de Dezembro de 1640 a 13 de Fevereiro
de 1668, data de assinatura do Tratado de Lisboa que estabeleceu a paz com
Madrid, é objecto de diferentes leituras e interpretações pelos historiadores.
O fundamental é que, a partir daí, a partir do 1.º
de Dezembro e da Guerra da Restauração em que saímos vitoriosos, Portugal
reganhou a sua independência plena, de novo com soberano próprio – foi posto
termo ao domínio filipino e à chamada monarquia dual, em que Portugal estava
sujeito a rei espanhol desde 1580, mais exactamente desde as Cortes de Tomar,
que, em Abril de 1581, reconheceram Filipe II como soberano também no nosso
país (Filipe I de Portugal).
2. Vasco Pulido Valente escreve, a seguir: «Na
segunda metade do século [XIX], ninguém se lembrava do '1 de
Dezembro' e os críticos do regime, de Ramalho Ortigão aos republicanos,
desprezavam e ridicularizavam a «Sociedade 1.º de Dezembro» (que não sei se
ainda existe), como centro de propaganda da corte e dos Braganças. Só os
criados se metiam nessa fantasia, que o grosso do país letrado não levava a
sério.»
Primeiro, uma informação: sim, ainda existe. Nunca
se chamou «Sociedade 1.º de Dezembro», mas «Comissão Central 1.º de Dezembro de
1640»; e denomina-se, hoje, Sociedade Histórica da Independência de Portugal,
designação que adoptou nos anos '20 do século passado. Celebrou há poucos meses
153 anos de existência e actividade. Hoje, como desde o início, tem sede no
Palácio da Independência, o antigo Palácio dos Almadas onde nasceu a revolta
dos 40 conjurados de 1640.
Em segundo lugar, as correcções.
A Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640 foi o
pólo da prolongada movimentação que, mais tarde, depois de décadas de
persistente intervenção cívica, levaria à instituição legal do feriado nacional
do 1.º de Dezembro. Foi fundada em 24 de Maio de 1861, tendo lançado um
Manifesto em 25 de Agosto do mesmo ano, na tal «segunda metade do
século, [em que] ninguém se lembrava do 1 de Dezembro»,
segundo VPV.
Nesta mesma segunda metade do séc. XIX, a Comissão
Central desenvolveu vasta actividade pública, por iniciativas sociais,
editoriais e culturais, nomeadamente concursos de teatro, récitas, conferências
de carácter histórico-cultural e político-institucional e exposições
didácticas. E dinamizou campanhas públicas de angariação de fundos de que
resultou a edificação de importantes monumentos, de cunho português e
patriótico: a estátua a Luís de Camões, em Lisboa (1867); a estátua
ao poeta Bocage, em Setúbal (1871); a estátua a Sá da Bandeira, em Lisboa (1884);
o Monumento aos Restauradores, também em Lisboa, na actual Praça dos
Restauradores (1886); e a estátua a D. Afonso Henriques, em Guimarães (1888).
Tudo isto no período em que, segundo VPV, a «Sociedade 1.º de Dezembro» estaria
votada ao desprezo e ao ridículo.
Mais interessante é conhecer a lista dos
tais «criados», os únicos que, segundo VPV, «se metiam
nessa fantasia, que o grosso do país letrado não levava a sério.»
Os fundadores da Comissão Central 1.º de Dezembro e
signatários do Manifesto de 1861 foram 40 destacadas figuras da sociedade
portuguesa do tempo, incluindo políticos, como Anselmo José Braamcamp (que foi
líder do Partido Histórico ou Partido Progressista, um dos dois principais
partidos da Regeneração), ou o celebrado tribuno José Estêvão; historiadores,
como o grande Alexandre Herculano e Luís Rebelo da Silva; outros escritores,
como José da Silva Mendes Leal ou Pedro de Brito Aranha; industriais de renome,
como Domingos Ferreira Pinto Basto (da segunda geração da «Vista Alegre»)
ou António José Pereira Serzedelo Júnior (que muito marcou, tal como
seu pai, as primeiras décadas do «Banco de Portugal»); além de ilustres
diplomatas, bibliógrafos, jornalistas, publicistas e comerciantes, presidentes
da Câmara Municipal de Lisboa e governadores civis. Ditosa Pátria que tais
«criados» tem!
É também difícil imaginar que destacadas figuras da
«esquerda» liberal portuguesa desse tempo, como José Estêvão e Manuel de Jesus
Coelho (ambos antigos combatentes da «Patuleia»), além de Alexandre Herculano,
consumissem os seus dias a fazer «propaganda da corte e dos Braganças»,
como é a ideia transmitida por VPV.
3. Vasco Pulido Valente escreveu ainda: «Os
republicanos, logicamente, não continuaram os festejos da dinastia (agora no
exílio) e os monárquicos para se poupar a maçadas também não. O próprio
Salazar, embora restaurasse o feriado, nunca fez um alarido à volta do caso e
deixou a 'Sociedade' agonizar no Rossio com a maior indiferença.»
Nada de mais errado.
O feriado do 1.º de Dezembro foi instituído, em
lei, pela 1.ª República (e não por Salazar), logo nos primeiros dias, gesto que
marca o pleno sucesso das movimentações cívicas das décadas anteriores. É o
primeiro Governo Provisório da República Portuguesa que, por Decreto de 12 de
Outubro de 1910, consagra o dia 1 de Dezembro como feriado nacional, então
designado como dia da «Autonomia da Pátria Portuguesa» e, pouco depois, «dia da
Independência e da Bandeira». Passou, assim, a ser o mais antigo dos feriados
civis portugueses, pacificamente celebrado de modo ininterrupto, desde 1910 até
à sua infeliz eliminação em 2012.
Os actos centrais das celebrações nacionais, junto
ao Monumento aos Restauradores, eram já organizados em parceria da Comissão
Central 1.º de Dezembro (hoje, Sociedade Histórica da Independência de
Portugal) e da Câmara Municipal de Lisboa, como ainda acontece apesar da
abolição do feriado com efeitos desde 2013. Juntamos, para pleno esclarecimento
dos leitores, fac simile do Diário do Governo de
13 de Outubro de 1910 e fotografia das primeiras celebrações oficiais do
feriado nacional do 1.º de Dezembro, em que se vêem, entre outros, Manuel de
Arriaga e Afonso Costa a celebrarem aquele que, segundo VPV, foi o «feriado
restaurado por Salazar».
4. A concluir, citamos um trecho de artigo recente
de Luís Reis Torgal, um historiador à altura dos seus pergaminhos, com vasta
obra publicada nesta matéria dos feriados: «O 1.º de Dezembro é o
feriado civil mais antigo: sobreviveu à I República austera em festividades, ao
Estado Novo que só recuperou os 'dias santos' em 1952 e à chegada da
democracia, que nunca aboliu feriados mas acrescentou vários ao
calendário.» O mesmo que criticou há poucos meses: «Terminaram
com o feriado da Restauração, um dos mais simbólicos da nossa independência e
afirmação. É como se estivesse em causa o nosso sentido de independência,
dificilmente conseguido.»
O 1.º de Dezembro não é da República, nem da Monarquia,
não é da direita, nem da esquerda. É o dia de Portugal inteiro, o mais nacional
de todos os feriados nacionais. É o dia que celebra aquele valor sem o qual não
existiríamos sequer: a independência nacional. Fá-lo na circunstância da
Restauração, porque foi o momento em que, da última vez que a perdemos, a
reconquistámos.
domingo, 21 de dezembro de 2014
As falácias do «inocente» Sócrates
e dos seus amigos
As últimas horas de Sócrates em liberdade
José António Saraiva, Sol, 18 de Dezembro de 2014
Sócrates partiu para Paris na manhã de quarta-feira, dia 19 de Novembro. Tudo indica que, nessa altura, já soubesse que a sua detenção estava iminente.
Na véspera tinha almoçado com o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro. O almoço fora marcado com urgência, de um dia para o outro. Pinto Monteiro tinha um exame médico nessa manhã e avisou que poderia chegar atrasado. Sócrates não se importou, e disse que esperaria o tempo que fosse preciso. Acabou por esperar uma hora no restaurante.
Basta isto para perceber que não se tratava de um almoço de circunstância, como tentou fazer crer o ex-PGR. O pretexto alegadamente apresentado por Sócrates era oferecer a Pinto Monteiro um exemplar autografado do seu livro. Mas este fora publicado um ano antes e Pinto Monteiro até já o tinha, pois estivera presente no lançamento. Parece, pois, totalmente inverosímil Sócrates marcar um almoço de urgência para esse fim.
Pinto Monteiro disse que nesse almoço falaram de livros e de viagens. É bem possível. Sócrates deve ter-lhe oferecido o livro e também lhe disse com certeza que iria viajar para Paris no dia seguinte. Ora, sendo quase certo que esperava ser detido a qualquer momento, quereria possivelmente saber se Pinto Monteiro estava a par de alguma coisa e saberia pormenores do processo. Isto explicaria a urgência do almoço.
Como previsto, Sócrates partiu para Paris na quarta-feira e deveria regressar na quinta. Também é difícil acreditar que esta viagem não tivesse qualquer relação com o processo em curso. O que poderia determinar uma viagem-relâmpago de pouco mais de 24 horas? O que iria Sócrates fazer de tão urgente a Paris?
Na capital francesa, o ex-primeiro-ministro encontrou-se com os seus alegados cúmplices Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira, que entretanto tinham ido à pressa a Londres. Um e outro eram apresentados como seus testas-de-ferro em vários negócios.
Ainda em Paris, Sócrates conversou com o responsável da Octapharma em Portugal, Joaquim Lalanda de Castro, com o qual tinha um alegado esquema de entregas mensais de dinheiro. Lalanda receberia 12 mil euros por portas travessas que juntaria aos outros 12 mil que a Octapharma pagava a Sócrates. Este receberia assim 24 mil euros mensais, quantia indispensável para fazer face às suas despesas.
Ao contrário do previsto, José Sócrates não viajou para Lisboa na quinta-feira, pois adiou o voo para sexta. E na sexta voltou a adiar, já com o check-in feito, sendo obrigado a trocar o bilhete de classe executiva por turística, pois a outra estava completa.
Este segundo adiamento teve obviamente que ver com os acontecimentos da noite anterior, em que os seus amigos Santos Silva e Trindade Ferreira haviam sido presos à chegada ao aeroporto de Lisboa.
A partir daí, Sócrates sabia que iria ser o próximo detido. Por isso, o seu advogado João Araújo viajou de urgência de Lisboa para Paris e teve com ele uma demorada conversa em que discutiram o que fazer.
Mesmo sabendo que seria detido na Portela, Sócrates não podia deixar de regressar ao país. O mandado de detenção estava passado, e se ele não viesse haveria um mandado de detenção europeu e o ex-primeiro-ministro seria localizado num qualquer país da Europa e extraditado para Portugal. Além disso, a tentativa de fuga seria um reconhecimento de culpa.
José Sócrates tinha, pois, de regressar a Lisboa, inteirar-se dos crimes de que era suspeito e preparar a defesa.
Se saísse em liberdade, só com termo de identidade e residência, poderia viajar para o Brasil, como estava previsto, e aí as coisas seriam diferentes. No Brasil não existiria o perigo de extradição, como na Europa. Sócrates poderia ficar lá por tempo indeterminado, a pretexto de estar a tratar de assuntos da Octapharma, adiando sucessivamente o regresso a Lisboa. Estes eventuais planos seriam, contudo, gorados pela prisão preventiva decretada pelo juiz Carlos Alexandre.
De qualquer modo, antes de ser detido, Sócrates rodeou-se de cuidados. Na noite de 20 para 21 de Novembro (de quinta para sexta-feira), deu instruções à empregada de limpeza no Edifício Heron Castilho para retirar o computador de sua casa e mudá-lo para outro apartamento.
À chegada a Lisboa, Sócrates seria efectivamente preso. Mas antes de embarcar fizera outra coisa insólita: avisara um jornalista no qual depositava confiança da sua vinda e previsível detenção. Deste modo, pretenderia que a sua prisão fosse rodeada de grande aparato mediático – fazendo recordar o episódio Strauss-Kahn –, causando um escândalo de enormes dimensões.
Mas os agentes esperaram-no discretamente à saída da manga, conduziram-no discretamente através de uma zona reservada do aeroporto, e as únicas imagens que existem são de um carro onde não se sabe quem vai, filmado por um telemóvel ou uma câmara de vídeo do sistema de segurança.
Aqui ficam as últimas 80 horas de José Sócrates em liberdade. Deixo ao cuidado do leitor julgar se o seu comportamento foi o de um homem que não tem nada a esconder - ou se, pelo contrário, Sócrates agiu como um suspeito.
Para mim, o encontro em Paris com Santos Silva e Trindade Ferreira indicia que tinham coisas a combinar antes da detenção; o encontro com o homem da Octapharma indicia que tinham de acertar contas para não caírem em contradição; o encontro com o advogado João Araújo indicia a preparação da defesa; e a ordem à empregada para esconder o computador indicia a tentativa de ocultação de provas.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
As presidentas ardentas
Da net
A jornalista Pilar del Rio costuma explicar, com um ar de catedrática no assunto, que dantes não havia mulheres presidentes e por isso é que não existia a palavra presidenta... Daí que ela diga insistentemente que é Presidenta da Fundação José Saramago e se refira a Assunção Esteves como Presidenta da Assembleia da República.
Ainda nesta semana, escutei Helena Roseta dizer: «Presidenta!», retorquindo ao comentário de um jornalista da SIC Notícias, muito segura da sua afirmação...
A propósito desta questão recebi o texto que se segue e que reencaminho:
Uma belíssima aula de português.
Foi elaborada para acabar de uma vez por todas com toda e qualquer dúvida se temos presidente ou presidenta.
A presidenta foi estudanta?
Existe a palavra: PRESIDENTA?
Que tal colocarmos um «BASTA» no assunto?!
No português existem os particípios activos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio activo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante... Qual é o particípio activo do verbo ser? O particípio activo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade...
Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a acção que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.
Portanto, em Português correcto, a pessoa que preside é PRESIDENTE, e não «presidenta», independentemente do sexo que tenha. Diz-se capela ardente, e não capela «ardenta»; diz-se estudante, e não «estudanta»; diz-se adolescente, e não «adolescenta»; diz-se paciente, e não «pacienta».
Um bom exemplo do erro grosseiro seria:
«A candidata a presidenta comporta-se como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.
Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta».
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
domingo, 7 de dezembro de 2014
Morreu a rainha Fabíola
A
rainha Fabiola da Bélgica,
viúva do rei Balduíno, que reinou de 1951 a 1993, faleceu nesta sexta-feira (5)
à noite em Bruxelas, aos 86 anos, anunciou o Palácio real.
«Suas
Majestades o Rei e a Rainha e os Membros da Família Real anunciam com grande
pesar o falecimento de Sua Majestade a Rainha Fabiola, ocorrida esta noite no
Castelo de Stuyvenberg em Bruxelas», indica o Palácio em um comunicado.
Em 2006 quando se realizou
em Bruxelas o ICNE (Congresso Internacional da Nova Evangelização), a Rainha
Fabíola estava presente todos os dias nas celebrações religiosas.
E quando soube que um
português que fazia parte da Equipa Internacional… que era eu, trabalhava em
Fátima, ficou encantada… pois sempre que podia ia ao Santuário de Fátima …
incógnita, como me disse… «une simple pèlerin comme Notre Dame veut …».
O ICNE em Bruxelas são dias
inesquecíveis na minha vida de serviço na Igreja. Basta perceber qual a
composição desta Equipa que eu tive o privilégio de fazer parte.
Agora rezo e peço pela
Rainha Fabíola para que no Céu, junto a Nossa Senhora nos ampare. Com o marido,
o Rei Balduíno foram um exemplo excepcional de reis católicos no séc. XX.
Devido às suas convicções católicas, Balduíno renunciou, entre 4 e 5 de Março
de 1990, às suas funções como chefe de Estado ao recusar assinar a lei de
despenalização do aborto no país.
Francisco Noronha Andrade (Facebook,
2014.12.06)
Castro foi a Moscovo
Putin foi a Cuba e ficou impressionado com o número de pessoas de sapatos com solas furadas, rasgados em cima, etc. Estranhou que, depois de passados 40 anos de «melhorias», as pessoas ainda estavam assim. Perguntou a Fidel a razão disso.
Fidel, indignado, respondeu com uma pergunta:
— E na Rússia, não é a mesma coisa? Vai-me dizer que lá toda a gente tem sapatos novos?
Putin respondeu a Fidel dizendo-lhe que fosse à Rússia para verificar. E se encontrasse um cidadão qualquer com sapatos furados, tinha a permissão para matar essa pessoa.
Fidel tomou um avião e foi para Moscovo. Quando desembarcou, depois de mais de duas semanas de vôo (o avião era de 5.º do mundo), a primeira pessoa que viu estava com sapatos rasgados e furados, parecendo ter pertencido ao avô. Não titubeou. Tirou a pistola e matou o sujeito. Afinal, tinha permissão do seu colega Putin para fazer isso.
No dia seguinte as manchetes dos jornais russos anunciaram:
ПРЕЗИДЕНТ БУШ ВАШ посла Кубы ваэропорту.
(PRESIDENTE DE CUBA MATA
O SEU EMBAIXADOR NO AEROPORTO.)
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Pai cubano pergunta ao filho
O pai cubano pergunta ao filho pequeno:
— O que você quer ser quando crescer?
— Estrangeiro, responde o filho.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Fidel faz um discurso
— E a partir de agora teremos de fazer mais sacrifícios!
Diz alguém na multidão:
— Trabalharemos o dobro!
Fidel continua..
.— E temos de entender que haverá menos alimentos!
Diz a mesma voz:
— Trabalharemos o triplo!
— E as dificuldades vão aumentar! continua Fidel.
Completa a mesma voz:
— Trabalharemos o quádruplo!
Nesse momento, Fidel pergunta ao chefe de segurança:
— Quem é esse sujeito que vai trabalhar tanto?
— O coveiro, mi Comandante!
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Livro
«NÓS, OS PSICOPATAS»
É o título do meu novo livro. Brevemente e para já. Nas
livrarias indicadas em anexo.bc
A sua leitura ajuda também a perceber a mente da gentinha envolvida nos
casos BES, BPN, vistos gold, Sócrates, etc., etc., em especial os
psicopatas
aparentemente não criminosos.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
Pergunta aos alunos
Uma professora cubana mostra aos alunos um retrato do presidente Bush, e pergunta à turma:
— De quem é este retrato?
Silêncio absoluto....
— Eu vou ajudá-los. É por culpa deste senhor que nós estamos a passar fome.
— Ah, professora! É que sem a barba e o uniforme não conseguia reconhecer!
domingo, 30 de novembro de 2014
É legítimo supor
José Gomes Ferreira
A propósito da detenção de José Sócrates, recordo por estes dias vários momentos da vida política do País e do exercício do jornalismo em Portugal.
5 de Janeiro de 2009.
No final do primeiro mandato e já em ano de eleições legislativas, o
primeiro-ministro aceita dar uma entrevista televisiva à SIC, conduzida por
mim e por Ricardo Costa.
No decurso da conversa tensa, crispada, José Sócrates é confrontado com
um gráfico do próprio orçamento de Estado de 2009, que mostra o verdadeiro
impacto das sete novas subconcessões rodoviárias em regime de parceria público
privada: a conta a cargo do contribuinte é astronómica, mas só começará a ser
paga...em 2014.
A reacção do político é de surpresa desagradável, de falta de
argumentos rápidos, pela primeira vez em muitos momentos de confronto
jornalístico com a realidade das políticas que estavam a ser lançadas como
«as melhores para o país», sem alternativa válida. Na mesma entrevista, Ricardo
Costa questiona o então primeiro-ministro sobre o verdadeiro impacto da
política para o sector energético, que estava a invadir a paisagem com milhares
de «ventoinhas» eólicas. A reacção evoluiu da surpresa negativa para
a agressividade.
No balanço dessa entrevista, boa parte do País «bem pensante»
insurgiu-se contra...os jornalistas. Os nomes que então nos chamaram estão
ainda na internet, basta fazer uma pesquisa rápida.
Nesse ano de 2009, o governo tinha lançado um pacote de estímulo à
economia no valor de dois mil milhões de euros – obtidos a crédito no exterior
porque nem Estado nem privados tinham já poupança interna suficiente.
A maior parte do mega-investimento foi aplicada na renovação de escolas
através da Parque Escolar. Uma crise decorrente de um brutal endividamento
combatia-se com mais dívida.
No ano anterior, a Estradas de Portugal tinham visto os seus estatutos
alterados por iniciativa do governo. Passava a ser uma entidade com toda a
liberdade para se endividar directamente, sem limite. Ao então primeiro-ministro,
ao ministro da tutela, ao secretário de estado das obras
públicas, perguntei muitas vezes em público se sabiam o que estavam a
fazer. E fui publicamente contestado por andar a «puxar o País para baixo».
Em 2007, o então ministro da Economia cedia por 700 milhões de euros a
extensão da exploração de dezenas de barragens por mais 15 a 25 anos à EDP. Os
próprios relatórios dos bancos de investimento valorizavam na altura esta
extensão em mais de dois mil milhões de euros.
A meados de 2009 começa a ouvir-se falar do interesse da PT em comprar a
TVI. O negócio é justificado pela administração da empresa como uma necessidade
de as operadoras de telecomunicações, distribuidoras de conteúdos avançarem
para o controlo da produção desses mesmos conteúdos.
Por aquela altura, já os casos, dos projectos da Cova da Beira, da
licenciatura duvidosa e das alegadas luvas no Freeport faziam as páginas dos
jornais e aberturas nas televisões.
Por aquela altura, o jornalista e gestor Luís Marques, dizia-me que era
uma vergonha nacional Portugal ter um primeiro-ministro com indícios de ser
corrupto. E que a nível internacional isso também já era notado.
Confesso que apesar das dúvidas que tinha sobre a condução dos grandes
negócios de Estado, achei exagerada a afirmação. Sublinho a altura em que foi
feita – finais de 2009.
O tempo, esse grande clarificador, fez o seu trabalho.
Muitas mais histórias ouvimos desde então sobre a mesma personalidade
política.
Muitas investigações que já estavam em curso foram aprofundadas; muitas
novas investigações foram iniciadas.
Desde há muito que está a ser questionada a legalidade da atribuição de
concessões de barragens por valores irrisórios; que está a ser investigada a
suspeita de favorecimento de decisores no processo das PPP rodoviárias; que foi
investigada e estranhamente arquivada a suspeita de controlo deliberado da
comunicação social através da compra de um grande grupo de comunicação social
por uma empresa do regime; que se continuam a investigar a razoabilidade dos
mega-investimentos em novas escolas e dos pagamentos avultados a determinados
fornecedores...
Outras histórias mal-explicadas, como a da origem dos recursos para
manter multiplicados sinais exteriores de riqueza, foram correndo o seu tempo e
os seus termos, com ou sem intervenção das entidades de investigação...
O tempo, esse grande clarificador, faz sempre o seu trabalho.
A suspeita materializa-se agora sob a forma de detenção e prolongado
interrogatório. A imprensa, desde sempre acusada de conspiração, destapa agora
indícios de inquietantes conluios com receptadores e correios de
verbas muito avultadas.
Só se surpreende quem não quis ver os sinais.
É legítimo supor que mais investigações levarão a mais resultados. É
legítimo perguntar porque é que no ano 2010 aparecem 20 milhões de euros na
conta de um amigo na UBS, na Suíça. E é legítimo lembrar que em Julho desse ano
a PT vendeu a Vivo à Telefónica por 7.500 milhões de euros. E é legítimo
imaginar que negócios desse tipo requeiram «facilitadores».
Face ao que aconteceu na história recente deste País, é legítimo a um
jornalista e a qualquer cidadão interrogar-se sobre tudo isto e muito mais.
E é extraordinário ver que a maior parte do tempo de debate sobre esta
mediática detenção é gasta em condenações à maneira de actuar das autoridades
judiciais, como se fosse dever dos investigadores convidarem o suspeito para
uma conversa amena num agradável bar de hotel, por ter ocupado o cargo que
ocupou.
Não, o que está a acontecer em Portugal, com a queda do Grupo Espírito
Santo e de Ricardo Salgado, as detenções de altos funcionários públicos no caso
dos Vistos Gold e a detenção de José Sócrates, não é uma desgraça: é a grande clarificação
do regime, a derrocada do Crony Capitalism, o capitalismo lusitano dos favores
e do compadrio.
É revoltante saber que o Parlamento aprovou sem hesitar todos os regimes
especiais de regularização tributária, os RERT I, II e III, quando sabiam que
a respectiva formulação jurídica iria apagar todos os crimes fiscais
associados à repatriação do dinheiro de origem obscura que tinha
sido posto lá fora. Os deputados foram previamente avisados desse
gigantesco efeito de «esponja» pelos mesmos altos responsáveis tributários que
me avisaram a mim...
Os mesmos RERT que passaram
uma esponja sobre as verbas de Ricardo Salgado e as do receptador agora
identificado no caso do ex-primeiro-ministro.
Sim, o Parlamento continua lamentavelmente a ser a mesma central de
interesses.
Mas há esperança. Tal como o País está a mudar, o Parlamento também há-de
mudar.
A nós, cidadãos e jornalistas, assiste o direito de fazer perguntas,
face a sinais estranhos que alguns políticos insistem em transmitir.
Face a esses sinais, é legítimo supor.
Subscrever:
Mensagens (Atom)