Lucy Pepper, Observador, 13 de Julho de 2014
Qual é a ameaça? As despedidas de solteiro dos britânicos. É que agora gangues de homens ou mulheres apanham voos low-cost e rumam até onde o álcool é mais barato
Quem passou por Lisboa ultimamente terá reparado em como as ruas do centro pululam de turistas. Muitos lisboetas congratulam-se com esta invasão estrangeira. Lisboa está viva e Deus sabe que Portugal precisa do dinheiro.
Mas também há muitos lisboetas descontentes por ver a sua cidade – sonolenta, bela e idiossincrática – subitamente afogada por gente com cor de lagosta e pelos tuk-tuks e segways que apareceram para ajudar essa gente a visitar esta «Montanha Russa de Sete Colinas» à beira do Tejo. A Baixa está a tornar-se na «Experiência Turística do Pastel de Nata» e o Bairro Alto enche-se todas a noites da semana, e não só aos fins-de-semana.
Simpatizo com ambas as opiniões. Adoro a energia renovada da cidade, mas detesto a sensação de parque temático. As novas lojas e os novos restaurantes, com o seu espírito empreendedor, dão-me esperança, mas as multidões vestidas de calções e sandálias estão a cobrir a Lisboa genuína com uma máscara insípida, e a submergir os verdadeiros lisboetas.
Sou sempre pela evolução. O que será, será. Não podemos ter a Lisboa do século dezoito, nem a Lisboa dos anos sessenta. Lisboa é o que é. Mas cabe aos lisboetas definir o futuro da cidade, a sua estética, o seu espírito, e é importante que sejam firmes e não deixem acontecer certas coisas … Digo isto, não só porque a imagem de muitas pessoas em calções não é pitoresca (e não é), mas também porque Lisboa enfrenta uma grande ameaça, e os lisboetas são, neste momento, os únicos que ainda podem salvar a cidade.
Qual é a ameaça? As despedidas de solteiro dos britânicos. Antigamente, uma despedida de solteiro no Reino Unido não ia além de uma noite descuidada na cidade mais próxima. Agora, gangues de homens ou mulheres apanham voos low-cost, e rumam até onde o álcool é mais barato, e a cidade suficientemente exótica para que a sua despedida de solteiro seja mais interessante do que a de outros noivos. Existem duas variedade de despedida: a «hen party» = «festa da galinha», para a noiva, e o «stag party» = «festa do veado», para o noivo (não confundir este veado heterossexual com o veado brasileiro). Há a versão civilizada: um fim-de-semana sossegado, a comer e beber com amigos, num sítio agradável. E há a versão não civilizada e muito mais comum: um fim-de-semana desleixado e ruidoso, a subverter e a arruinar uma cidade europeia, depois de deixar o sentido de responsabilidade em casa, a mil milhas de distância (ou a mil e seiscentos quilómetros, para sermos devidamente métricos).
Lisboa, deixa-me dizer-te que eles estarão a caminho daqui a muito pouco tempo, logo que a notícia de que Lisboa é a nova cidade-turística-que-é-
Vão chegar nos voos low-cost, com os seus uniformes de «galinhas» e de «veados», os seus dísticos de «aprendiz», a sua purpurina e as suas penas cor de rosa, e vão deixar atrás deles urina, vómito e narizes a sangrar … se nós os deixarmos. Nós, Lisboa, não podemos deixar.
Há algo na psique britânica (sobre a qual sou capaz de escrever um dia destes uma espécie de «disclaimer» para benefício de todos os que no mundo nos odeiam) que leva muitos dos meus conterrâneos a ver o resto do mundo como um gigante parque temático, barato e cheio de álcool, onde podem beber, comer e fornicar, até que um tsunami de vómito, urina, sangue e sémen acabe por destruir a beleza do local. É um síndroma bastante complicado, que levaria muito tempo a explicar, mas que não vou certamente desculpar, até porque me deixa enjoada.
As «galinhas» e os «veados» já exploraram muitas cidades históricas na Europa, sempre com efeitos devastadores: Praga, Budapeste, Tallinn, Riga, Cracóvia…
Esteja por isso atento a grupos de britânicos de idades entre os 20 e os 40 anos, mascarados de noivos ou de diabos, ou vestindo t-shirts iguais. Não continue a servir-lhes bebidas alcoólicas até eles caírem ao chão, impeça com força qualquer violência (estou a contar consigo, Sr. Polícia!), e expulse-os do seu hotel ou do seu bar logo que eles comecem a estar a mais.
Lisboa, eles estão a chegar! Tudo depende de ti: tolerância zero!
P.S.: Se não acreditou no meu desenho acima, veja estas fotografias.
Sem comentários:
Enviar um comentário