Kirsty Hayes, Embaixadora
do Reino Unido em Portugal,
Público, 19 de Março de
2015
A nossa posição é firme – a anexação da Crimeia é
inaceitável e continuaremos a defender os nossos valores através das sanções
que penalizam os responsáveis por retirar a Crimeia à Ucrânia.
Há um ano, o Kremlin ajudou a encenar um
«referendo» ilegítimo e ilegal na Crimeia, que culminou com a anexação deste
território pela Rússia à Ucrânia, redesenhando o mapa da Europa, pela força,
agravando a crise no Leste da Ucrânia.
O chamado referendo, preparado à pressa em apenas
duas semanas, serviu apenas para ridicularizar a democracia. Não esteve
presente um único observador internacional independente. Em vez disso, tropas
russas de elite (os «homenzinhos de verde», como os habitantes locais lhes
chamaram) impuseram a vontade do Presidente Putin. Não devemos ter ilusões
sobre a origem destes combatentes. O seu equipamento, sotaque e treino, provam
que eram russos, ainda que não usassem qualquer insígnia.
No período que antecedeu o chamado referendo, as
estações ucranianas de televisão terrestre foram encerradas na Crimeia; e quem
levantou a voz contra a ocupação militar russa foi alvo de ameaças e
intimidação. Desde então, várias pessoas desapareceram e outras foram
encontradas mortas, uma delas com sinais de tortura.
Tudo isto foi feito sob a alegação infundada dos
dirigentes russos de que os direitos dos falantes de russo na Crimeia estariam
sob ameaça de Kiev. Este estratagema cínico não tem, nem teve, qualquer
credibilidade. Na verdade, Vladimir Putin admitiu na semana passada, numa
entrevista, ter planeado a anexação da Crimeia antes do pseudo-referendo ter
tido lugar. Nessa altura, ele dizia à comunidade internacional que não se
colocava a hipótese de anexar a Crimeia, e negava a presença de tropas russas.
Sabemos que nunca houve qualquer ameaça aos falantes de russo na Crimeia ou em
qualquer outra parte da Ucrânia. Pouco antes da anexação, o alto comissário
para as Minorias Nacionais da OSCE afirmou não haver «provas de qualquer
violência ou ameaças».
Na realidade, os relatórios elaborados pela ONU,
pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos e pelo comissário dos Direitos
Humanos do Conselho da Europa, deixaram claro que só após a ocupação russa é
que os direitos humanos passaram a estar ameaçados na Crimeia. Os efeitos têm
sido especialmente sentidos pelas minorias étnicas, tais como a comunidade
tártara da Crimeia.
É vital que não se minimize o significado da
anexação da Crimeia. As acções agressivas por parte da Rússia naquela zona e em
Donbas não são uma ameaça apenas para a Ucrânia, mas para o resto da Europa. Ao
anexar um território da Ucrânia, ao violar a sua integridade territorial e ao
destabilizar o Leste da Ucrânia através do fornecimento constante de tropas e
armamento, a Rússia desafiou a ordem democrática do século XXI fazendo tábua
rasa das regras de direito internacional.
Essas acções constituem uma violação flagrante de
uma série de compromissos internacionais assumidos pela Rússia, entre os quais
a Carta das Nações Unidas, a Acta Final de Helsínquia da OSCE e o Tratado de
Divisão sobre estatuto e condições da frota do Mar Negro de 1997, com a
Ucrânia. É por tudo isto que a Rússia está isolada no Conselho de Segurança e
na comunidade internacional e é essencial que todos os Estados-membros da UE
estejam à altura da ameaça que as acções da Rússia representam para os nossos
valores partilhados e para a nossa segurança comum. O Reino Unido regozija-se
pelo apoio de Portugal neste contexto, condenando inequivocamente a violação da
integridade territorial da Ucrânia e rejeitando a atitude de continuada
confrontação por parte da Rússia. Valorizamos em especial a contribuição de
Portugal para o controlo da segurança naquela região, integrando os seus aviões
F-16 na missão de policiamento aéreo da NATO no Báltico.
Entendemos que nenhum país, qualquer que seja a sua
dimensão, pode ignorar as normas internacionais sem sofrer consequências. Não
podemos aceitar a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia como uma nova
realidade. Os factos provam que este foi um acto ilegal, a Crimeia continua
ocupada e os seus cidadãos estão mais vulneráveis e sofrem as consequências da
intolerância russa. A triste realidade é que, se a Rússia não tivesse ocupado a
Crimeia há um ano, e forçado o seu povo sob a ameaça das armas, as pessoas na
Crimeia poderiam hoje gerir os seus negócios pacificamente, como tinham feito
nos últimos 23 anos, sem a intimidação, as dificuldades e o perigo físico
resultantes da anexação ilegal pela Rússia.
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