quinta-feira, 26 de março de 2015


Lembram-se da Crimeia?


Kirsty Hayes, Embaixadora do Reino Unido em Portugal,

Público, 19 de Março de 2015

A nossa posição é firme – a anexação da Crimeia é inaceitável e continuaremos a defender os nossos valores através das sanções que penalizam os responsáveis por retirar a Crimeia à Ucrânia.

Há um ano, o Kremlin ajudou a encenar um «referendo» ilegítimo e ilegal na Crimeia, que culminou com a anexação deste território pela Rússia à Ucrânia, redesenhando o mapa da Europa, pela força, agravando a crise no Leste da Ucrânia.

O chamado referendo, preparado à pressa em apenas duas semanas, serviu apenas para ridicularizar a democracia. Não esteve presente um único observador internacional independente. Em vez disso, tropas russas de elite (os «homenzinhos de verde», como os habitantes locais lhes chamaram) impuseram a vontade do Presidente Putin. Não devemos ter ilusões sobre a origem destes combatentes. O seu equipamento, sotaque e treino, provam que eram russos, ainda que não usassem qualquer insígnia.

No período que antecedeu o chamado referendo, as estações ucranianas de televisão terrestre foram encerradas na Crimeia; e quem levantou a voz contra a ocupação militar russa foi alvo de ameaças e intimidação. Desde então, várias pessoas desapareceram e outras foram encontradas mortas, uma delas com sinais de tortura.

Tudo isto foi feito sob a alegação infundada dos dirigentes russos de que os direitos dos falantes de russo na Crimeia estariam sob ameaça de Kiev. Este estratagema cínico não tem, nem teve, qualquer credibilidade. Na verdade, Vladimir Putin admitiu na semana passada, numa entrevista, ter planeado a anexação da Crimeia antes do pseudo-referendo ter tido lugar. Nessa altura, ele dizia à comunidade internacional que não se colocava a hipótese de anexar a Crimeia, e negava a presença de tropas russas. Sabemos que nunca houve qualquer ameaça aos falantes de russo na Crimeia ou em qualquer outra parte da Ucrânia. Pouco antes da anexação, o alto comissário para as Minorias Nacionais da OSCE afirmou não haver «provas de qualquer violência ou ameaças».

Na realidade, os relatórios elaborados pela ONU, pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos e pelo comissário dos Direitos Humanos do Conselho da Europa, deixaram claro que só após a ocupação russa é que os direitos humanos passaram a estar ameaçados na Crimeia. Os efeitos têm sido especialmente sentidos pelas minorias étnicas, tais como a comunidade tártara da Crimeia.

É vital que não se minimize o significado da anexação da Crimeia. As acções agressivas por parte da Rússia naquela zona e em Donbas não são uma ameaça apenas para a Ucrânia, mas para o resto da Europa. Ao anexar um território da Ucrânia, ao violar a sua integridade territorial e ao destabilizar o Leste da Ucrânia através do fornecimento constante de tropas e armamento, a Rússia desafiou a ordem democrática do século XXI fazendo tábua rasa das regras de direito internacional.

Essas acções constituem uma violação flagrante de uma série de compromissos internacionais assumidos pela Rússia, entre os quais a Carta das Nações Unidas, a Acta Final de Helsínquia da OSCE e o Tratado de Divisão sobre estatuto e condições da frota do Mar Negro de 1997, com a Ucrânia. É por tudo isto que a Rússia está isolada no Conselho de Segurança e na comunidade internacional e é essencial que todos os Estados-membros da UE estejam à altura da ameaça que as acções da Rússia representam para os nossos valores partilhados e para a nossa segurança comum. O Reino Unido regozija-se pelo apoio de Portugal neste contexto, condenando inequivocamente a violação da integridade territorial da Ucrânia e rejeitando a atitude de continuada confrontação por parte da Rússia. Valorizamos em especial a contribuição de Portugal para o controlo da segurança naquela região, integrando os seus aviões F-16 na missão de policiamento aéreo da NATO no Báltico.

Entendemos que nenhum país, qualquer que seja a sua dimensão, pode ignorar as normas internacionais sem sofrer consequências. Não podemos aceitar a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia como uma nova realidade. Os factos provam que este foi um acto ilegal, a Crimeia continua ocupada e os seus cidadãos estão mais vulneráveis e sofrem as consequências da intolerância russa. A triste realidade é que, se a Rússia não tivesse ocupado a Crimeia há um ano, e forçado o seu povo sob a ameaça das armas, as pessoas na Crimeia poderiam hoje gerir os seus negócios pacificamente, como tinham feito nos últimos 23 anos, sem a intimidação, as dificuldades e o perigo físico resultantes da anexação ilegal pela Rússia.

Há uma saída para esta situação. A Rússia ainda pode retirar as suas tropas da Crimeia e do Leste da Ucrânia, respeitar os seus compromissos ao abrigo dos acordos de Minsk e deixar o povo ucraniano gerir o seu próprio país. Mas, até que isso aconteça, não vamos ignorar o que aconteceu na Crimeia. A nossa posição é firme – a anexação da Crimeia é inaceitável e continuaremos a defender os nossos valores através das sanções que penalizam os responsáveis por retirar a Crimeia à Ucrânia.





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