sexta-feira, 27 de março de 2015


Todos os partidos têm

o seu porteiro de discoteca

e o do PS chama-se José Lello


João Miguel Tavares, Público, 26 de Março de 2015

Todos os partidos têm o seu porteiro de discoteca, e o do PS chama-se José Lello. A sua função é controlar a clientela, actividade que pratica há décadas com muita alegria e evidentes proveitos, recompensando quem se porta bem e dispensando uns carolos a quem se porta mal. Desta vez, a vítima foi Henrique Neto, um dos raríssimos socialistas que não embarcaram na aventura socrática e que nunca se cansaram de avisar quem era o senhor engenheiro técnico e para onde ele estava a conduzir o País.

Confrontado com o anúncio da candidatura de Neto à Presidência da República, José Lello decidiu chamar-lhe o «Beppe Grillo português», o que faz tanto sentido quanto Batatinha acusar Henrique Neto de ser um palhaço. Houve outras reacções destemperadas, como a de Augusto Santos Silva («sempre que os [candidatos] responsáveis se resguardam, os bobos ocupam a cena»), e a do próprio António Costa foi, no mínimo, deselegante, quando comentou a candidatura com um seco «é-me indiferente» — expressão que talvez tenha de engolir num futuro próximo. Mas no campeonato da fancaria política nada bate o camionismo verbal de José Lello, um mestre da traulitada que em 2009 acusou Manuel Alegre de «falta de carácter» por ter avançado para Belém sem o apoio do PS, em 2011 chamou «foleiro» a Cavaco Silva por não ter sido convidado para as cerimónias oficiais do 25 de Abril, e em 2013 afirmou que os portugueses estavam «desesperados por se verem livres» de Passos Coelho, «morto ou vivo».

Atenção: nada tenho contra linguagem colorida, nem contra personagens catitas. O meu problema é mesmo com o irmão Lello e aquilo que ele representa — uma encarnação ululante dos piores defeitos da política portuguesa. Basta ler quatro páginas (30 a 33, para os interessados) do livro Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio, para ficarmos esclarecidos sobre o ser Lello.

Ora reparem: o Governo Sócrates teve início em Março de 2005, e nove meses depois o deputado José Lello deixou de exercer o seu mandato em exclusividade, para passar a integrar o conselho consultivo da Capgemini em Portugal, uma consultora especializada em tecnologias de informação.

Durante os seis anos do consulado lello-socrático, a Capgemini firmou 113 contratos por ajuste directo com entidades públicas, no valor de 6,7 milhões de euros, alguns dos quais relacionados com o famoso Simplex.

Ao mesmo tempo, o incansável deputado Lello exercia ainda o cargo de membro não executivo do conselho de administração da Domingos da Silva Teixeira (DST), uma empresa de construção e engenharia com negócios na área das energias renováveis, águas e saneamento. Enquanto Lello foi administrador da DST, celebraram-se 62 contratos por ajuste directo com entidades públicas, num total superior a 71 milhões de euros. Um único contrato com a Parque Escolar, em Maio de 2009, rendeu quase 25 milhões. José Lello foi consultor da Capgemini entre Setembro de 2006 e Novembro de 2012 e administrador da DST entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2012.


O Governo Sócrates caiu em Junho de 2011, e com ele parecem ter caído também — curiosa coincidência — as notáveis capacidades administrativas de José Lello, um homem cujo talento insiste em manifestar-se apenas na órbita do Estado socialista.

E é este pobre Lello que vem agora chamar Beppe Grillo a Henrique Neto, que enriqueceu no privado, tomou posições corajosas e tem um pensamento estruturado sobre o País. Caro porteiro Lello: não dá para gerir a clientela com a boca fechada?





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