Carlos I. S. Azambuja
Cristãos, yazidis e turcos estão entre os mais
perseguidos pelo Estado Islâmico, grupo dissidente da Al Qaeda que ocupou
grandes partes do território do Iraque e da Síria. Eles estão sistematicamente
a fixar homens, mulheres e crianças baseados na sua filiação religiosa ou
étnica e estão a realizar impiedosamente uma limpeza étnica e religiosa
generalizada nas áreas sob o seu controle.
O Estado Islâmico surgiu em 2006 depois da invasão
dos EUA e seus aliados no Iraque, com sobreviventes da Al Qaeda no país, e
ganhou força entre 2011 e 2013 quando teve início a rebelião na Síria. O seu
actual comandante é Abu Bakr al-Baghdad.
Quando o EI invadiu a cidade de Mosul, capital da
província de Ninewah, no Iraque – conquistando uma extensão de terras
equivalente ao tamanho da Grã- Bretanha –, o EI possuía apenas 800 combatentes.
Hoje o seu efectivo é estimado pela CIA entre 20 mil e 40 mil combatentes com
acesso a recursos de 2 milhões de dólares oriundos de fontes diversas, entre as
quais sequestros, roubos e, principalmente, a exploração e venda de petróleo da
refinaria de Beiji, no norte do Iraque. Segundo experts, o Estado
Islâmico controla 12 campos de petróleo no Iraque e na Síria, com capacidade de
produzir 150 mil barris por dia, com receitas diárias estimadas em quase 3
milhões de dólares.
Cinco meses antes da queda de Mosul o presidente
Barak Obama havia menosprezado o EI, tachando-o de «um
bando inexperiente de terroristas».
De onde veio o Estado Islâmico e como ele conseguiu
fazer tanto estrago em tão pouco tempo?
Os Estados Unidos estiveram em guerra contra o EI
por quase uma década, incluindo aí as suas várias encarnações, como a Al-Qaeda
no Iraque, depois como Conselho Consultivo Mujahidin e, por fim, Estado
Islâmico do Iraque e do Levante.
Muita coisa relativa a esse inimigo totalitário e
teocrático permanece esquecida ou simplesmente pouco investigada. Debates a
respeito da sua ideologia, estratégia de guerra e dinâmica interna persistem em
todos os países comprometidos com a sua derrota. O EI é, na realidade, o último
rosto numa culminação sangrenta de uma longa disputa dentro da hierarquia
do jihadismo internacional.
Examinando o EI como ele é hoje em dia, com base em
entrevistas com militantes activos (alguns já falecidos), espiões, agentes
adormecidos e também as suas vítimas, chega-se à conclusão de que um dos
principais centros de recrutamento de militantes foram os presídios,
especialmente no Médio Oriente, que serviram, por anos, como academias do
terror, onde extremistas conhecidos puderam congregar, tramar e desenvolver as
suas habilidades de convencimento e liderança, recrutando uma nova geração de
combatentes.
O EI é uma organização terrorista, mas não é apenas
uma organização terrorista. É também uma máfia adepta em explorar mercados
obscuros internacionais que existem há décadas para o tráfico de petróleo e
armas. É um completo aparato de conluio que se infiltra em organizações rivais
e recruta silenciosamente membros activos antes do controle total dessas
organizações, derrotando-as no campo de batalha ou tomando as suas terras.
É uma máquina de propaganda eficiente e hábil na
disseminação das suas mensagens e no recrutamento de novos membros através das
redes sociais. A maioria dos seus principais comandantes serviu no exército ou
nos serviços de segurança de Saddam Hussein.
O EI apresenta-se para uma minoria sunita no Iraque
e uma maioria sunita mais perseguida e vitimada na Síria como a última linha de
defesa da seita contra uma série de inimigos – os «infiéis» Estados
Unidos, os Estados «apóstatas» do Golfo Pérsico, a ditadura alauita «Nusayri»
na Síria, a unidade «rafida» e de resistência no Irão e a última
satrápia de Bagdade. Estima-se que além do Estado
Islâmico existam outros 450 grupos rebeldes operando na Síria.
O EI, de forma brutal e inteligente, destruiu as
fronteiras dos estados-nação da Síria e do Iraque e proclamou-se o restaurador
de um império islâmico. Tem como capital a cidade de Mosul, o seu idioma
oficial é o árabe, o governo é um califado islâmico, declarado em 29 de Junho
de 2014; possui uma bandeira e um brasão de armas. Já criou a sua própria
bandeira, tribunais, ministérios, passaportes e até placas de carros. Em
Novembro de 2014 criou a sua própria moeda, parte de um plano para restaurar o
califado que dominou o Médio Oriente há mais de 1 300 anos.
Abu Bakr al-Baghdadi – ungido califa Ibraim –
proclamou o fim do ISIS (em inglês Islamic State of Iraq and
al-Sham) e o nascimento do Estado Islâmico no dia 28 de Junho de 2014, o
primeiro dia do Ramadão. A partir de então, apenas o Estado Islâmico passaria a
existir, dividindo a humanidade em dois campos. O primeiro era «o campo dos
muçulmanos e dos mujahidin (guerreiros sagrados) por toda a
parte»; o segundo era «o campo dos judeus, dos Cruzados e os seus
aliados».
O campo de treino do EI e dos seus antecessores, na
fronteira do Afeganistão com o Paquistão, que treinou os idealizadores dos
ataques ao World Trade Center, tem três fases distintas de treino e
doutrinação.
A primeira consiste em «dias de experimentação»,
com a duração de 15 dias, durante os quais um recruta é sujeito à «exaustão
psicológica e moral» – para separar os fracos dos verdadeiros
guerreiros.
A segunda é o «período de preparação militar»,
com a duração de 45 dias, durante os quais um recruta aprende como empunhar
armas leves, evolui para o lançamento de mísseis portáteis superfície-ar e cursos
de cartografia.
A terceira e última fase é o «curso de tácticas
de guerra de guerrilhas», no qual é ensinada a teoria militar de Von
Clausewitz para terroristas.
Em Março de 2009, o departamento de Defesa dos EUA
mudou oficialmente o nome das operações contra o EI de «Guerra Global Contra
o Terror» para «Operações Contingenciais Externas» e em
Maio de 2013 o presidente Obama declarou que a «guerra ao terror» tinha
terminado.
Sete meses depois, em Janeiro de 2014, numa
entrevista à revista «The New Yorker» Obama minimizou o poder do
Estado Islâmico comparando-o a um «jayvee» (equipa de desporto dos
estudantes do 3.º ano).
Se os EUA quisessem fazer uma demonstração de força
no Iraque e na Síria, poderiam expulsar rapidamente o EI dos seus esconderijos.
Porém, o difícil viria depois, com a provável onda de atentados e guerra
assimétrica que certamente duraria anos e teria custos enormes.
Obama, dezoito meses depois, em 8 de Junho de 2015,
disse que a sua administração «ainda não tinha nenhuma estratégia» para
lidar com o Estado Islâmico. Ao que tudo indica a sua administração continua «sem
estratégia até hoje». Pelo que se observa, o Estado Islâmico
sim, tem uma estratégia, pois a guerra jihadista contra o
Ocidente e seus aliados continua a crescer.
Em Agosto de 2014, Obama declarou que a estratégia
dos EUA no combate ao EI está amparada em quatro pilares: ataques aéreos, apoio
aos aliados locais, esforços de contraterrorismo para prevenir ataques, e
assistência humanitária contínua a civis.
Em Setembro de 2014 o presidente Barak Obama numa
sessão na ONU declarou que «os países devem evitar o recrutamento e o
financiamento de combatentes estrangeiros». Segundo ele, «os EUA irão
trabalhar para destruir essa rede da morte», em alusão ao Estado Islâmico.
E prosseguiu: «Nós vamos apoiar a luta dos
iraquianos e dos sírios para proteger as suas comunidades. Vamos treinar e
equipar as forças que estão lutando contra esses terroristas no terreno. Vamos
trabalhar para acabar com o financiamento deles e parar o fluxo de combatentes
que se juntam ao grupo. Eu peço ao mundo que se junte a nós nessa missão». E
concluiu fazendo um apelo aos muçulmanos para rejeitarem a ideologia do Estado
Islâmico.
Obama encerrou o seu discurso dizendo que «as
palavras que dissemos aqui precisam de ser transformadas em acção...com os
países e entre eles, não apenas nos dias que se seguem, mas nos anos que
virão». Uma resolução proposta pelos EUA foi aprovada por unanimidade
no Conselho de Segurança da ONU. No final, mais de 40 países ofereceram-se para
fazer parte da coligação «anti-EI», liderada pelos EUA.
Em Junho de 2015 Obama voltou a referir-se ao EI
declarando que «falta recrutar e treinar mais militares iraquianos dispostos
a combater o Estado Islâmico. Não temos ainda uma estratégia completa, pois
faltam compromissos dos iraquianos no que diz respeito a como é feito o
recrutamento e como é que as tropas serão treinadas».
Os EUA gastam, em média, cerca de 9 milhões de
dólares por dia para combater o Estado Islâmico, e os custos totais já passam
de 2,7 milhões desde o início da campanha de bombardeamentos contra o EI.
Em qualquer actividade – passando pela organização
e pela hierarquia –, o EI está anos-luz à frente das demais facções que actuam
na região. Apresenta o que parece ser o início da estrutura de um semi-Estado –
ministérios, tribunais e até mesmo um sistema tributário rudimentar –.
Nos campos de treino cerca de 300 crianças com
idades até aos 16 anos recebem instrução como combatentes e terroristas
suicidas no EI. Aprendem a ideologia fundamentalista e a manusear armas
pesadas. Esses campos são anunciados como «Clubes de Escuteiros».
Uma revista editada pelo Estado Islâmico,
intitulada «DABIQ»,
que já está na sua terceira edição, publicada em várias línguas, inclusive o
inglês, apresenta o EI como a única voz muçulmana no mundo, na tentativa de
cooptar estrangeiros para lutarem pelo califado no Iraque e na Síria.
Segundo o Conselho de Segurança da ONU, somente no
ano de 2014 cerca de 15 mil estrangeiros de mais de 80 países, viajaram à Síria
e ao Iraque a fim de lutarem ao lado do EI e grupos terroristas semelhantes. A
ONU ressaltou que o aumento nesse número ocorre numa escala «sem precedentes». Segundo
a União Europeia, mais de 5 mil europeus uniram-se à jihad na
Síria e no Iraque, mas segundo a comissária europeia da Justiça, esse número «é
muito subestimado».
O Estado Islâmico foi designado como organização
terrorista pelos seguintes países: EUA em 17/12/2004, Austrália em
2/3/2005, Canadá em 20/8/2012, Arábia Saudita em 7/3/2014, Inglaterra em
20/6/2014, Indonésia em 1/8/2014 e Alemanha em 12/9/2014.
Os cristãos que vivem nas áreas dominadas pelo
Estado Islâmico têm apenas três opções: converterem-se ao islamismo; pagar um
imposto religioso (o jizya); ou morrer.
Militantes do Estado Islâmico estariam sendo
contrabandeados para a Europa pelas gangues que operam no mar Mediterrâneo,
segundo uma fonte do governo líbio declarou à BBC. Os extremistas são
misturados com migrantes que viajam nos barcos desde a costa africana em
direcção ao continente europeu, porque a polícia não sabe quem é refugiado e quem
é militante do EI, pois isso é extremamente difícil.
Em Setembro de 2015, a polícia federal descobriu
uma rede de apoiantes do Estado Islâmico em São Paulo. A descoberta assusta,
ainda mais porque o TERRORISMO NÃO É CONSIDERADO CRIME NO BRASIL.
Para concluir, uma análise do general Álvaro
Pinheiro, em Abril de 2015:
Sem comentários:
Enviar um comentário