terça-feira, 8 de setembro de 2015


O Estado Islâmico:

desvendando o Exército do Terror


Carlos I. S. Azambuja

Cristãos, yazidis e turcos estão entre os mais perseguidos pelo Estado Islâmico, grupo dissidente da Al Qaeda que ocupou grandes partes do território do Iraque e da Síria. Eles estão sistematicamente a fixar homens, mulheres e crianças baseados na sua filiação religiosa ou étnica e estão a realizar impiedosamente uma limpeza étnica e religiosa generalizada nas áreas sob o seu controle.

O Estado Islâmico surgiu em 2006 depois da invasão dos EUA e seus aliados no Iraque, com sobreviventes da Al Qaeda no país, e ganhou força entre 2011 e 2013 quando teve início a rebelião na Síria. O seu actual comandante é Abu Bakr al-Baghdad.

Quando o EI invadiu a cidade de Mosul, capital da província de Ninewah, no Iraque – conquistando uma extensão de terras equivalente ao tamanho da Grã- Bretanha –, o EI possuía apenas 800 combatentes. Hoje o seu efectivo é estimado pela CIA entre 20 mil e 40 mil combatentes com acesso a recursos de 2 milhões de dólares oriundos de fontes diversas, entre as quais sequestros, roubos e, principalmente, a exploração e venda de petróleo da refinaria de Beiji, no norte do Iraque. Segundo experts, o Estado Islâmico controla 12 campos de petróleo no Iraque e na Síria, com capacidade de produzir 150 mil barris por dia, com receitas diárias estimadas em quase 3 milhões de dólares.

Cinco meses antes da queda de Mosul o presidente Barak Obama havia menosprezado o EI, tachando-o de «um bando inexperiente de terroristas».

De onde veio o Estado Islâmico e como ele conseguiu fazer tanto estrago em tão pouco tempo?

Os Estados Unidos estiveram em guerra contra o EI por quase uma década, incluindo aí as suas várias encarnações, como a Al-Qaeda no Iraque, depois como Conselho Consultivo Mujahidin e, por fim, Estado Islâmico do Iraque e do Levante.

Muita coisa relativa a esse inimigo totalitário e teocrático permanece esquecida ou simplesmente pouco investigada. Debates a respeito da sua ideologia, estratégia de guerra e dinâmica interna persistem em todos os países comprometidos com a sua derrota. O EI é, na realidade, o último rosto numa culminação sangrenta de uma longa disputa dentro da hierarquia do jihadismo internacional.

Examinando o EI como ele é hoje em dia, com base em entrevistas com militantes activos (alguns já falecidos), espiões, agentes adormecidos e também as suas vítimas, chega-se à conclusão de que um dos principais centros de recrutamento de militantes foram os presídios, especialmente no Médio Oriente, que serviram, por anos, como academias do terror, onde extremistas conhecidos puderam congregar, tramar e desenvolver as suas habilidades de convencimento e liderança, recrutando uma nova geração de combatentes.

O EI é uma organização terrorista, mas não é apenas uma organização terrorista. É também uma máfia adepta em explorar mercados obscuros internacionais que existem há décadas para o tráfico de petróleo e armas. É um completo aparato de conluio que se infiltra em organizações rivais e recruta silenciosamente membros activos antes do controle total dessas organizações, derrotando-as no campo de batalha ou tomando as suas terras.

É uma máquina de propaganda eficiente e hábil na disseminação das suas mensagens e no recrutamento de novos membros através das redes sociais. A maioria dos seus principais comandantes serviu no exército ou nos serviços de segurança de Saddam Hussein.

O EI apresenta-se para uma minoria sunita no Iraque e uma maioria sunita mais perseguida e vitimada na Síria como a última linha de defesa da seita contra uma série de inimigos – os «infiéis» Estados Unidos, os Estados «apóstatas» do Golfo Pérsico, a ditadura alauita «Nusayri» na Síria, a unidade «rafida» e de resistência no Irão e a última satrápia de Bagdade. Estima-se que além do Estado Islâmico existam outros 450 grupos rebeldes operando na Síria.

O EI, de forma brutal e inteligente, destruiu as fronteiras dos estados-nação da Síria e do Iraque e proclamou-se o restaurador de um império islâmico. Tem como capital a cidade de Mosul, o seu idioma oficial é o árabe, o governo é um califado islâmico, declarado em 29 de Junho de 2014; possui uma bandeira e um brasão de armas. Já criou a sua própria bandeira, tribunais, ministérios, passaportes e até placas de carros. Em Novembro de 2014 criou a sua própria moeda, parte de um plano para restaurar o califado que dominou o Médio Oriente há mais de 1 300 anos.

Abu Bakr al-Baghdadi – ungido califa Ibraim – proclamou o fim do ISIS (em inglês Islamic State of Iraq and al-Sham) e o nascimento do Estado Islâmico no dia 28 de Junho de 2014, o primeiro dia do Ramadão. A partir de então, apenas o Estado Islâmico passaria a existir, dividindo a humanidade em dois campos. O primeiro era «o campo dos muçulmanos e dos mujahidin (guerreiros sagrados) por toda a parte»; o segundo era «o campo dos judeus, dos Cruzados e os seus aliados».

O campo de treino do EI e dos seus antecessores, na fronteira do Afeganistão com o Paquistão, que treinou os idealizadores dos ataques ao World Trade Center, tem três fases distintas de treino e doutrinação.

A primeira consiste em «dias de experimentação», com a duração de 15 dias, durante os quais um recruta é sujeito à «exaustão psicológica e moral» – para separar os fracos dos verdadeiros guerreiros.

A segunda é o «período de preparação militar», com a duração de 45 dias, durante os quais um recruta aprende como empunhar armas leves, evolui para o lançamento de mísseis portáteis superfície-ar e cursos de cartografia.

A terceira e última fase é o «curso de tácticas de guerra de guerrilhas», no qual é ensinada a teoria militar de Von Clausewitz para terroristas.

Em Março de 2009, o departamento de Defesa dos EUA mudou oficialmente o nome das operações contra o EI de «Guerra Global Contra o Terror» para «Operações Contingenciais Externas» e em Maio de 2013 o presidente Obama declarou que a «guerra ao terror» tinha terminado.

Sete meses depois, em Janeiro de 2014, numa entrevista à revista «The New Yorker» Obama minimizou o poder do Estado Islâmico comparando-o a um «jayvee» (equipa de desporto dos estudantes do 3.º ano).

Se os EUA quisessem fazer uma demonstração de força no Iraque e na Síria, poderiam expulsar rapidamente o EI dos seus esconderijos. Porém, o difícil viria depois, com a provável onda de atentados e guerra assimétrica que certamente duraria anos e teria custos enormes.

Obama, dezoito meses depois, em 8 de Junho de 2015, disse que a sua administração «ainda não tinha nenhuma estratégia» para lidar com o Estado Islâmico. Ao que tudo indica a sua administração continua «sem estratégia até hoje». Pelo que se observa, o Estado Islâmico sim, tem uma estratégia, pois a guerra jihadista contra o Ocidente e seus aliados continua a crescer.

Em Agosto de 2014, Obama declarou que a estratégia dos EUA no combate ao EI está amparada em quatro pilares: ataques aéreos, apoio aos aliados locais, esforços de contraterrorismo para prevenir ataques, e assistência humanitária contínua a civis.

Em Setembro de 2014 o presidente Barak Obama numa sessão na ONU declarou que «os países devem evitar o recrutamento e o financiamento de combatentes estrangeiros». Segundo ele, «os EUA irão trabalhar para destruir essa rede da morte», em alusão ao Estado Islâmico.

E prosseguiu: «Nós vamos apoiar a luta dos iraquianos e dos sírios para proteger as suas comunidades. Vamos treinar e equipar as forças que estão lutando contra esses terroristas no terreno. Vamos trabalhar para acabar com o financiamento deles e parar o fluxo de combatentes que se juntam ao grupo. Eu peço ao mundo que se junte a nós nessa missão». E concluiu fazendo um apelo aos muçulmanos para rejeitarem a ideologia do Estado Islâmico.

Obama encerrou o seu discurso dizendo que «as palavras que dissemos aqui precisam de ser transformadas em acção...com os países e entre eles, não apenas nos dias que se seguem, mas nos anos que virão». Uma resolução proposta pelos EUA foi aprovada por unanimidade no Conselho de Segurança da ONU. No final, mais de 40 países ofereceram-se para fazer parte da coligação «anti-EI», liderada pelos EUA.

Em Junho de 2015 Obama voltou a referir-se ao EI declarando que «falta recrutar e treinar mais militares iraquianos dispostos a combater o Estado Islâmico. Não temos ainda uma estratégia completa, pois faltam compromissos dos iraquianos no que diz respeito a como é feito o recrutamento e como é que as tropas serão treinadas».

Os EUA gastam, em média, cerca de 9 milhões de dólares por dia para combater o Estado Islâmico, e os custos totais já passam de 2,7 milhões desde o início da campanha de bombardeamentos contra o EI.

Em qualquer actividade – passando pela organização e pela hierarquia –, o EI está anos-luz à frente das demais facções que actuam na região. Apresenta o que parece ser o início da estrutura de um semi-Estado – ministérios, tribunais e até mesmo um sistema tributário rudimentar –.

Nos campos de treino cerca de 300 crianças com idades até aos 16 anos recebem instrução como combatentes e terroristas suicidas no EI. Aprendem a ideologia fundamentalista e a manusear armas pesadas. Esses campos são anunciados como «Clubes de Escuteiros».

Uma revista editada pelo Estado Islâmico, intitulada «DABIQ», que já está na sua terceira edição, publicada em várias línguas, inclusive o inglês, apresenta o EI como a única voz muçulmana no mundo, na tentativa de cooptar estrangeiros para lutarem pelo califado no Iraque e na Síria.

Segundo o Conselho de Segurança da ONU, somente no ano de 2014 cerca de 15 mil estrangeiros de mais de 80 países, viajaram à Síria e ao Iraque a fim de lutarem ao lado do EI e grupos terroristas semelhantes. A ONU ressaltou que o aumento nesse número ocorre numa escala «sem precedentes». Segundo a União Europeia, mais de 5 mil europeus uniram-se à jihad na Síria e no Iraque, mas segundo a comissária europeia da Justiça, esse número «é muito subestimado».

O Estado Islâmico foi designado como organização terrorista pelos seguintes países: EUA em 17/12/2004, Austrália em 2/3/2005, Canadá em 20/8/2012, Arábia Saudita em 7/3/2014, Inglaterra em 20/6/2014, Indonésia em 1/8/2014 e Alemanha em 12/9/2014.

Os cristãos que vivem nas áreas dominadas pelo Estado Islâmico têm apenas três opções: converterem-se ao islamismo; pagar um imposto religioso (o jizya); ou morrer.

Militantes do Estado Islâmico estariam sendo contrabandeados para a Europa pelas gangues que operam no mar Mediterrâneo, segundo uma fonte do governo líbio declarou à BBC. Os extremistas são misturados com migrantes que viajam nos barcos desde a costa africana em direcção ao continente europeu, porque a polícia não sabe quem é refugiado e quem é militante do EI, pois isso é extremamente difícil.

Em Setembro de 2015, a polícia federal descobriu uma rede de apoiantes do Estado Islâmico em São Paulo. A descoberta assusta, ainda mais porque o TERRORISMO NÃO É CONSIDERADO CRIME NO BRASIL.

Para concluir, uma análise do general Álvaro Pinheiro, em Abril de 2015:

«A possibilidade do Estado Islâmico/ISIS desencadear o terrorismo nos cinco continentes, corroborada pelos recentes atentados na Bélgica, Canadá, Austrália, França e Tunísia, é encarada em todo o mundo Ocidental com a máxima responsabilidade. Nesse contexto, a infiltração do EI/ISIS na área da Tríplice Fronteira no Cone Sul da América do Sul é absolutamente consensual no âmbito da comunidade de inteligência internacional. Não encarar esse indício com a devida responsabilidade é mais um verdadeiro CRIME DE LESA PÁTRIA».





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