Pe. Vasco Pinto de Magalhães, Observador,
14 de Maio de 2016
Esta esquerda doente, que não tem os pés na terra
nem a atenção nos mais frágeis, ergue a bandeira de um modernismo burguês,
pseudo-intelectual, mas de cultura rápida e sem história nem dialéctica.
A Europa está entalada entre dois terrorismos. Está
entre dois fogos, que parecem de sinal contrário mas que se excitam um ao
outro. Ciclicamente, na história do Ocidente, esses ataques marcam tempos de
crise sociocultural e política.
Que ataques são esses? Há um terrorismo que vem de
fora e actualmente aparece sob a bandeira do «Estado Islâmico». Surge como
força ideológica («religiosa») violenta pretendendo dominar (e eliminar) uma
europa que acusa de estar doente, vendida à democracia, sem valores, opressora
e imoral, tradicionalmente seguidora de uma cultura religiosa adulterada, a
cristã. O Ocidente é um mundo de infiéis – mas ricos! – que os puros, os
verdadeiros islâmicos, não podem suportar, em nome da sua crença num islão
original (radical e primitivo). Ameaças, ataques suicidas, destruição à bomba (até
de outros muçulmanos que assim não pensem), são meios justificados pela sua
«nobre» causa. A história ensina que um fanatismo cego, radical, fechado a
qualquer diálogo, orgulhoso e ressentido, tem os dias contados; mas, entretanto
vai seguindo, embriagado e iludido pelo sangue que vai deixando pelo caminho.
Por outro lado, paradoxalmente, enquanto os próprios islâmicos críticos e
lúcidos não forem capazes de se afirmar, este terrorismo vai vivendo, também, à
custa do próprio Ocidente que, nas suas cegueiras economicistas, não desiste de
lhes comprar o petróleo e, depois, lhes vender as armas.
Há um outro terrorismo que vem de dentro. É também
uma doença social e cultural apoiada em políticas ditas «libertadoras», que se
assumem como radicais e modernas mas resvalam orgulhosamente para um fanatismo
cego, pronto, por todos os meios, a erradicar aquilo que pensam ser o grande
mal do ocidente: a sua matriz cristã e a cultura e valores éticos
personalistas, que vêem como inimigos de um admirável futuro: o das liberdades
individuais sem restrição. O atraso e o inimigo a abater está consubstanciado
na Igreja católica. A bandeira deste terrorismo não é a laicidade; é o laicismo
anticlerical. E o seu paradigma de felicidade é uma justiça burguesa,
consumista, ao sabor de um liberalismo «emotivista», endeusando o indivíduo,
que já não é homem e mulher, mas um género à escolha. Aliás, apresenta-se como
sendo uma ideologia de esquerda, quando, dos ideais sociais da Esquerda, quase
nada tem.
Este terrorismo também mata e é guerrilheiro,
sobretudo quando conquista algum poder. Assim foi acontecendo nos vários países
europeus, submetidos ao terror nas épocas em que esses movimentos chegaram ao
poder. É uma realidade actual na Europa. Em Portugal também. E não precisamos de
ir mais longe para aprender e apreender o que representam esses fanatismos,
bastando trazer à memória Joaquim António de Aguiar (o Mata Frades), presidente
do Conselho de Ministros, com a sua Lei de extinção das ordens religiosas em
1834; e, numa segunda onda, com a revolução republicana de 1910, onde a
carbonária, apoiada na franco-maçonaria, levou ao poder Afonso Costa (o grande
paladino da luta anticlerical), que prometia erradicar o catolicismo de
Portugal em duas gerações.
Hoje a situação é bastante semelhante no seguidismo
do laicismo francês. Não afirma a nossa «esquerda burguesa» que é preciso
«descristianizar» a nossa cultura e erradicar das consciências «a culpa
católica»? Em nome da liberdade e do progresso, claro! A história ensina o
suficiente: em nome da «Liberté» os génios da Revolução Francesa chegaram até
ao genocídio de Vendeia, por exemplo, a pequena região católica que se lhes
opunha. «Gloriosamente» assassinaram algumas centenas de milhares de pessoas:
«Vendeia morreu sob os sabres da nossa liberdade!». Foi em 1793. Mas de novo,
em 1902, o governo de Émile Combes, apoiando os ideais radicais do Bloco das
Esquerdas (onde terão ido os nossos bloquistas buscar o nome?) e com o auxílio
da Loja maçónica do Grande Oriente de França, lança a grande ofensiva
anti-católica: fecha 3 000 escolas, rompe as relações com Roma, expulsa os
católicos dos cargos públicos, confisca os bens das ordens religiosas. Numa
palavra, promove o Terror fracturante de tudo o que lhe parecesse cultura do
passado e, «evidentemente» católica.
O laicismo francês, tal como o belga e o holandês,
está de novo em alta e aparece como novo paradigma da modernidade a imitar.
Começa por atacar nas questões éticas a fim de eliminar tudo o que possa ser
resquício da moral cristã que «se opõe ao futuro» e que, em nome da «liberdade»
e da «igualdade», o individualismo e o pragmatismo tecnocrático não suportam.
Primeiro é preciso erradicar os sinais sagrados, quer seja a cruz na sala de
aula, quer seja aquela que se traz ao peito. Depois, vem a fúria da legalização
das mais variadas fantasias sobre a vida humana desde a eutanásia às barrigas
de aluguer. E apoiando-se em ideologias sem base na realidade e ignorando (e
rejeitando) qualquer antropologia, pretende-se construir a sociedade moderna,
livre e sem limites. O caso mais típico é o da chamada «ideologia de género»
que haverá de impor, desde o início da escola, com actos e textos de verdadeiro
terrorismo. Essa luta assumida como libertária, contra a cultura e a religião,
serve-se de todos os meios, em especial das redes sociais e da publicidade,
usando, sobretudo contra a religião, a humilhação e o sarcasmo, sob a bandeira
do dogma Liberdade de expressão sem limites, tal como o fazia, exemplarmente, a
Revista Charlie Hebdo.
Nem sempre nos damos logo conta de que o
fracturante é facturante!
Por cá vai-se tentando seguir a cartilha. Faz
impressão ver que o movimento ideológico do Bloco de Esquerda, nem se deu ao
trabalho de branquear o nome. Assim é mais claro em que águas se move. Não é
fácil encontrar nas suas figuras e pensamento os ideais sociais da esquerda.
Mas a pressa em se lançar no terrorismo laicista é bem visível. Salta à vista a
fúria de legalizar (sem escuta dos outros, com publicidade de mau gosto e
fracturando culturalmente o povo) todas as liberdades, não como escolhas de
bens respeitadores da consciência ética personalizante desse povo, mas como
exaltação do orgulho individualista que se arroga o direito de fazer à vida o
que lhe parecer e o que for mais rápido e eficaz, mesmo passando por cima do
sereno debate sobre os valores humanos, considerados «pobres dogmas da
consciência antiquada e clerical». Assim se tenta impor (a votos de maiorias
instaladas e sem discussão ponderada e generalizada) as barrigas de aluguer, a
eutanásia, a igualdade dos pares homossexuais ao casal homem-mulher, etc.
Esta esquerda doente, que não tem os pés na terra
nem a atenção nos mais frágeis, ergue a bandeira de um modernismo burguês,
pseudo-intelectual, mas de cultura rápida e sem história nem dialéctica,
afirmando-se como luz (ingénua) portadora de um mundo novo. Apresenta-se com
algum fascínio nos vários países europeus cansados e tristemente desgastados
pela corrupção, como uma alternativa pós moderna. Mas… sem base nem pensamento
credível, arrebanha os desiludidos da vida. É o fogo-fátuo do «Podemos»
espanhol, por exemplo, que ostenta nos seus programas acabar com tudo o que
sejam manifestações religiosas. Em nome da «liberdade», da «autonomia» e da
«dignidade», termos que entendem de modo infantil, dogmático e subjectivo. E
assim oferecem o seu paraíso, o seu século das luzes: descartando tudo o que é
velho, doente, deficiente, não rentável, tudo o que exige gastos «inúteis»,
tudo o que, além disso, pode vir a pedir-nos responsabilidades.
Não deveria esta pequena burguesia olhar para a
história, desenvolver algum pensamento crítico e tornar-se realmente «de
esquerda»? «De esquerda» no sentido de: ocupada com o bem comum, com a justiça
social e fraterna, integradora dos que estão nas margens da sociedade de
consumo, promotora de uma educação realista, mais atenta aos frutos de
humanização que aos resultados de cursos feitos à pressa, capaz de dar tempo a
uma reflexão antropológica… Capaz de abrir os olhos para a realidade e para a história
das culturas que mostram bem como só o amor (respeito pela verdade) é fonte de
futuro, enquanto as ideologias (como a de género) são suicidas!
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