João Cândido da Silva, Jornal de Negócios
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Deitar as culpas do aumento das taxas de juro da dívida soberana de diversos países da UE para cima dos ombros dos especuladores é como enfiar a cabeça na areia e recusar olhar a realidade e tirar as devidas consequências. Se é verdade que há quem ganhe com a aposta num cenário de incumprimento das obrigações financeiras por parte da Grécia - mas não só -, o crescente endividamento do país teria de afastar das suas emissões de dívida, mais tarde ou mais cedo, os investidores mais conservadores e deixar o preço à mercê de quem aceita correr riscos elevados mas quer ser premiado por isso.
Há males que vêm por bem. A turbulência que tem marcado o comportamento dos mercados de dívida pública de países da Zona Euro estão forçar aquilo que quase duas décadas de preparação e lançamento da moeda única não foram suficientes. Para já, obrigaram os líderes da União a tomarem uma decisão quanto à necessidade de não deixar cair a Grécia, com a aprovação de um pacote de ajudas que, conjugado com os apoios financeiros do Fundo Monetário Internacional, será hoje colocado sob a prova-de-fogo dos mercados.
A Zona Euro devia dispor de mecanismos para acorrer a situações-limite como a que vive a Grécia? Devia. Mas não dispunha. A ponto de uma vídeo-conferência convocada sob pressão ter sido o expediente derradeiro para acertar as somas e a taxa de juro a que o Governo grego poderá solicitar ajuda para satisfazer as elevadas necessidades de financiamento que precisa de recolher para não ser a primeira pedra a cair num edifício que ameaça a derrocada.
A aflição que neste fim-de-semana preencheu o vazio decorreu de vários erros que foram cometidos na construção da união monetária. Primeiro erro? Acreditar que a acumulação de défices nas balanças corrente e de capital jamais voltaria a ser um problema. Confundiram-se as vantagens de substituição de um cabaz de moedas de solidez variável por uma moeda forte, e o afastamento do horizonte de crises cambiais como a que derrubou o sistema monetário europeu, com a inevitabilidade de ter que honrar compromissos, mesmo quando o dinheiro é barato e obtido sem dificuldades.
O segundo erro esteve em crer que, uma vez subtraída aos estados a soberania sobre a política monetária, os governos de nações tradicionalmente mais indisciplinadas teriam a noção das respectivas consequências. E perceberiam que a política orçamental era o derradeiro instrumento que lhes restava e que teria de ser usado com acrescida responsabilidade.
Terceiro erro: alimentou-se a convicção de que um mero sistema de penalizações seria suficiente para travar eventuais descalabros nas finanças públicas, a que se juntou a crença de que os governos não iriam tentar enganar as autoridades que validam os indicadores sobre a saúde orçamental dos estados-membros. Como se sabe, nada disto funcionou.
O quarto erro esteve à vista nas semanas mais recentes. As soluções para acorrer a crises como a que afecta a Grécia, e que não é seguro que não venham a colocar em xeque outras economias endividadas da Zona Euro, foram confiadas à capacidade de improviso. Em vez de discutirem a coordenação de políticas económicas, os líderes europeus entretiveram-se a debater uma Constituição que absorveu tempo e recursos durante uma década inteira, enquanto a economia perdia fôlego para os Estados Unidos e os mercados emergentes.
Quando do lançamento do euro, os seus defensores mais ortodoxos argumentaram que não havia outra alternativa a não ser a de apanhar o comboio. Não era verdade. Agora é que não há outra saída senão a de salvar a Zona Euro de uma queda no abismo que está mesmo à sua frente. O euro tem duas faces. Numa está o Banco Central Europeu, na outra jamais esteve alguém. Os problemas começaram aqui.
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