quarta-feira, 14 de abril de 2010

Quatro erros do euro

João Cândido da Silva, Jornal de Negócios

Os fundadores do euro lembraram-se de criar alguns desincentivos ao mau comportamento nas políticas orçamentais, mas subestimaram a capacidade dos estados-membros para aparentarem saúde financeira e mascararem as doenças. A crise grega veio demonstrar que, quando os mecanismos de prevenção são frágeis e demasiado crédulos, tem que se actuar sob a pressão da emergência. O pacote de ajudas financeiras ontem aprovado pelos governos da União significa o enterro do voluntarismo sem rede de protecção que foi praticado na Europa.

Deitar as culpas do aumento das taxas de juro da dívida soberana de diversos países da UE para cima dos ombros dos especuladores é como enfiar a cabeça na areia e recusar olhar a realidade e tirar as devidas consequências. Se é verdade que há quem ganhe com a aposta num cenário de incumprimento das obrigações financeiras por parte da Grécia - mas não só -, o crescente endividamento do país teria de afastar das suas emissões de dívida, mais tarde ou mais cedo, os investidores mais conservadores e deixar o preço à mercê de quem aceita correr riscos elevados mas quer ser premiado por isso.

Há males que vêm por bem. A turbulência que tem marcado o comportamento dos mercados de dívida pública de países da Zona Euro estão forçar aquilo que quase duas décadas de preparação e lançamento da moeda única não foram suficientes. Para já, obrigaram os líderes da União a tomarem uma decisão quanto à necessidade de não deixar cair a Grécia, com a aprovação de um pacote de ajudas que, conjugado com os apoios financeiros do Fundo Monetário Internacional, será hoje colocado sob a prova-de-fogo dos mercados.

A Zona Euro devia dispor de mecanismos para acorrer a situações-limite como a que vive a Grécia? Devia. Mas não dispunha. A ponto de uma vídeo-conferência convocada sob pressão ter sido o expediente derradeiro para acertar as somas e a taxa de juro a que o Governo grego poderá solicitar ajuda para satisfazer as elevadas necessidades de financiamento que precisa de recolher para não ser a primeira pedra a cair num edifício que ameaça a derrocada.

A aflição que neste fim-de-semana preencheu o vazio decorreu de vários erros que foram cometidos na construção da união monetária. Primeiro erro? Acreditar que a acumulação de défices nas balanças corrente e de capital jamais voltaria a ser um problema. Confundiram-se as vantagens de substituição de um cabaz de moedas de solidez variável por uma moeda forte, e o afastamento do horizonte de crises cambiais como a que derrubou o sistema monetário europeu, com a inevitabilidade de ter que honrar compromissos, mesmo quando o dinheiro é barato e obtido sem dificuldades.

O segundo erro esteve em crer que, uma vez subtraída aos estados a soberania sobre a política monetária, os governos de nações tradicionalmente mais indisciplinadas teriam a noção das respectivas consequências. E perceberiam que a política orçamental era o derradeiro instrumento que lhes restava e que teria de ser usado com acrescida responsabilidade.

Terceiro erro: alimentou-se a convicção de que um mero sistema de penalizações seria suficiente para travar eventuais descalabros nas finanças públicas, a que se juntou a crença de que os governos não iriam tentar enganar as autoridades que validam os indicadores sobre a saúde orçamental dos estados-membros. Como se sabe, nada disto funcionou.

O quarto erro esteve à vista nas semanas mais recentes. As soluções para acorrer a crises como a que afecta a Grécia, e que não é seguro que não venham a colocar em xeque outras economias endividadas da Zona Euro, foram confiadas à capacidade de improviso. Em vez de discutirem a coordenação de políticas económicas, os líderes europeus entretiveram-se a debater uma Constituição que absorveu tempo e recursos durante uma década inteira, enquanto a economia perdia fôlego para os Estados Unidos e os mercados emergentes.

Quando do lançamento do euro, os seus defensores mais ortodoxos argumentaram que não havia outra alternativa a não ser a de apanhar o comboio. Não era verdade. Agora é que não há outra saída senão a de salvar a Zona Euro de uma queda no abismo que está mesmo à sua frente. O euro tem duas faces. Numa está o Banco Central Europeu, na outra jamais esteve alguém. Os problemas começaram aqui.


 

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