João José Brandão Ferreira
Moçambique
«Foram-se mais de três
partes do Império de Além-Mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o
futuro…»
Mouzinho de Albuquerque
in carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança
Moçambique era um território cerca de
oito vezes maior que a Metrópole, com 784 961 km2, tinha uma fronteira
terrestre de 4330 km e 2000 km de costa. Contava com 6 600 000 habitantes
(8h/km2) sendo 97% negros (com 86 etnias e dez grupos étnico-linguísticos).
Dos países fronteiros só a Zâmbia e a
Tanzânia eram hostis a Portugal, mas o Malawi não conseguia impedir o trânsito
da guerrilha pelo seu território.
De Lisboa à Beira (onde estava
localizado o principal aeroporto da Província) era necessário percorrer 10 300
km.
O número de combatentes, no fim da
guerra contabilizava cerca de 57 000 homens, incluindo o recrutamento local,
enquanto que os guerrilheiros não passariam dos 7000 (mais uns 2000 milícias).
Deve realçar-se, ainda, que os órgãos
principais de comando e da logística, de início, se situavam em Lourenço
Marques, a 2000Km do terreno onde se desenvolvia a guerrilha e que o Niassa
distava 800 km da costa, o que tinha efeitos diversos no desenrolar das operações.
O mesmo se podendo dizer do facto da esmagadora maioria da população branca se
encontrava estabelecida entre a capital e a Beira, ou seja nunca sentiu a
guerra. Além do que estavam muito influenciados pelos regimes da RAS e da
Rodésia. Esta situação era muito diferente da que se passava em Angola.
Tal como sucedeu com angolanos e
guineenses, também alguns moçambicanos emigrados em territórios vizinhos, não
resistiram à tentação de criar movimentos independentistas, logo que a ocasião lhes
pareceu favorável.
O primeiro a surgir foi a Associação
Nacional Africana do Moatize, em 1959, no distrito de Tete, outros se lhe
seguiram, que seria ocioso enumerar.
Da evolução de todos surgiu a Frelimo
(Frente de Libertação de Moçambique) em 1962, cuja presidência foi ocupada por
Eduardo Mondlane, funcionário da ONU, formado numa universidade americana e
casado com uma cidadã branca (de origem sueca), daquele país. Este movimento
passou a receber apoio quer do bloco comunista, quer de organizações
americanas, quer ainda de países nórdicos, com a Suécia à cabeça. Mais tarde
veio a receber auxílio da China, via Tanzânia. À semelhança de todos os outros
movimentos independentistas que lutaram contra a presença política de Portugal
em África, também a Frelimo sofreu de graves convulsões internas, que vieram a
resultar entre muitos outros, no assassinato de Mondlane, em 3 de Fevereiro de
1969.
A sede da Frelimo situava-se em
Dar-es-Salam, capital da Tanzânia e dispunha de delegações em vários países
como a Argélia, o Egipto e a Zâmbia.
O outro partido que conseguiu
desenvolver alguma actividade de guerrilha em Moçambique, foi a COREMO (Comité
Revolucionário de Moçambique), entre 1965 e 1967, no noroeste do distrito de
Tete.
A partir de 1961, Moçambique passou a
tomar medidas preventivas antecipando o início da subversão. Deste modo foi
reforçado o dispositivo militar, a instrução das tropas, desenvolveu-se o
serviço de informações e a acção psicológica e começou a organizar-se
aldeamentos em autodefesa.
A subversão violenta ficou marcada pelo
ataque da Frelimo ao posto do Chai (norte do distrito de Cabo Delgado), a 25 de
Setembro de 1974.
Foi, aliás neste distrito e no do Niassa
que a subversão se espalhou inicialmente, tirando partido do terreno acidentado
e da fraca densidade populacional, afectando sobretudo a etnia Maconde. Só com
o anúncio da construção da Barragem de Cabora-Bassa, em 1968, o esforço da
guerrilha passou a incidir sobre o distrito de Tete, sobretudo a partir de
1970.
Porque a guerra se travava no Norte, o
Comando Militar foi transferido para Nampula de onde todas as operações
passaram a ser controladas.
Como na Guiné também em Moçambique se
podem considerar dois grandes períodos: aquele em que foi comandante-chefe o
General Augusto dos Santos (entre 1962 e 1969), e o período do General Kaúlza
de Arriaga (entre 21 de Junho de 1969 e 9 de Junho de 1973).
O primeiro destes chefes militares
tentou interditar os eixos de infiltração da guerrilha em Cabo Delgado e no
Niassa; tentou manter o nível das operações no mais baixo nível de violência
possível. Valorizou a acção socio-económica junto das populações e a sua
agregação em aldeamentos, com a cooperação das autoridades civis.
A acção do General Kaúlza de Arriaga,
homem de forte personalidade, sem ter posto em causa a acção psicológica junto
das populações, impôs um maior pendor militar de que resultaram as grandes
operações «Nó Górdio» e «Fronteira», esta última numa tentativa de interditar a
fronteira norte.
Estas operações são ainda hoje objecto
de controvérsia, sobretudo a primeira, (que envolveu cerca de 8000 homens), já
que se trataram mais de operações em termos de guerra clássica do que na de
guerrilha. Conseguiu poucos resultados em termos de baixas no inimigo e em
armamento capturado mas, por outro lado, conseguiu desarticular toda a
estrutura logística e operacional da Frelimo, no Norte.
Em simultâneo a Frelimo deslocou o seu
esforço para Tete por causa da Barragem de Cabora-Bassa, ao passo que tentava
ultrapassar o rio Zambeze para operar no «Corredor da Beira» a fim de tentar
cortar Moçambique ao meio.
Esta manobra teve profundas
consequências em ambas as partes. O comando português viu-se na contingência de
proteger a barragem e, o que era igualmente fundamental, os itinerários pelos
quais a mesma era abastecida de tudo o que fazia falta. Tudo isto estendeu o
teatro de operações e as linhas de comunicação, muitíssimo, tanto para nós como
para a Frelimo.
Como não tínhamos tropas suficientes
para fazer face a estas emergências, apostou-se no recrutamento local, o que
veio a dar excelentes resultados.
Porém a região tinha mais população e os
diferentes alvos estavam no meio dela e os guerrilheiros também aproveitaram
para se misturarem no seu meio, sempre que possível, o que fez aumentar o
número de «baixas colaterais». É neste âmbito que se deve enquadrar o muito
badalado caso de Wiriamu.
A Frelimo nunca conseguiu, contudo,
molestar os trabalhos da barragem, que prosseguiram sempre a bom ritmo, o que
se tem de considerar uma das acções mais espantosas dos portugueses nos 600
anos em que se espalharam pelo mundo.
A ultrapassagem do Zambeze resultou em
poucos incidentes que, não tendo significado militar, tiveram consequências
psicológicas (logo sociais e políticas), graves. Sobretudo na população branca
da Província.
Em 1974 ambas as partes sofriam a usura
da guerra, mas a parte portuguesa estava menos afectada do que a Frelimo,
restando acrescentar que a nossa cooperação com a RAS e a Rodésia estava a
aumentar muito, tanto em Moçambique como em Angola.
*****
Quando as operações militares terminaram
as forças portuguesas tinham sofrido um total de 8831 mortos, 8290 do Exército,
346 da FA e 195 da Armada. Feridos e mutilados registaram-se 27 919.
Dos mortos, 261 são naturais do Algarve.
Não devem ser esquecidos.
Não existem números quanto a
guerrilheiros abatidos, feridos ou capturados.
A União Indiana nunca até hoje revelou
as suas baixas durante a invasão do Estado da Índia, acção que vitimou 25
portugueses.
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