segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas V (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









Moçambique

«Foram-se mais de três partes do Império de Além-Mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro…»
Mouzinho de Albuquerque
in carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança


Moçambique era um território cerca de oito vezes maior que a Metrópole, com 784 961 km2, tinha uma fronteira terrestre de 4330 km e 2000 km de costa. Contava com 6 600 000 habitantes (8h/km2) sendo 97% negros (com 86 etnias e dez grupos étnico-linguísticos).

Dos países fronteiros só a Zâmbia e a Tanzânia eram hostis a Portugal, mas o Malawi não conseguia impedir o trânsito da guerrilha pelo seu território.

De Lisboa à Beira (onde estava localizado o principal aeroporto da Província) era necessário percorrer 10 300 km.

O número de combatentes, no fim da guerra contabilizava cerca de 57 000 homens, incluindo o recrutamento local, enquanto que os guerrilheiros não passariam dos 7000 (mais uns 2000 milícias).

Deve realçar-se, ainda, que os órgãos principais de comando e da logística, de início, se situavam em Lourenço Marques, a 2000Km do terreno onde se desenvolvia a guerrilha e que o Niassa distava 800 km da costa, o que tinha efeitos diversos no desenrolar das operações. O mesmo se podendo dizer do facto da esmagadora maioria da população branca se encontrava estabelecida entre a capital e a Beira, ou seja nunca sentiu a guerra. Além do que estavam muito influenciados pelos regimes da RAS e da Rodésia. Esta situação era muito diferente da que se passava em Angola.

Tal como sucedeu com angolanos e guineenses, também alguns moçambicanos emigrados em territórios vizinhos, não resistiram à tentação de criar movimentos independentistas, logo que a ocasião lhes pareceu favorável.

O primeiro a surgir foi a Associação Nacional Africana do Moatize, em 1959, no distrito de Tete, outros se lhe seguiram, que seria ocioso enumerar.

Da evolução de todos surgiu a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em 1962, cuja presidência foi ocupada por Eduardo Mondlane, funcionário da ONU, formado numa universidade americana e casado com uma cidadã branca (de origem sueca), daquele país. Este movimento passou a receber apoio quer do bloco comunista, quer de organizações americanas, quer ainda de países nórdicos, com a Suécia à cabeça. Mais tarde veio a receber auxílio da China, via Tanzânia. À semelhança de todos os outros movimentos independentistas que lutaram contra a presença política de Portugal em África, também a Frelimo sofreu de graves convulsões internas, que vieram a resultar entre muitos outros, no assassinato de Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969.

A sede da Frelimo situava-se em Dar-es-Salam, capital da Tanzânia e dispunha de delegações em vários países como a Argélia, o Egipto e a Zâmbia.

O outro partido que conseguiu desenvolver alguma actividade de guerrilha em Moçambique, foi a COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), entre 1965 e 1967, no noroeste do distrito de Tete.

A partir de 1961, Moçambique passou a tomar medidas preventivas antecipando o início da subversão. Deste modo foi reforçado o dispositivo militar, a instrução das tropas, desenvolveu-se o serviço de informações e a acção psicológica e começou a organizar-se aldeamentos em autodefesa.

A subversão violenta ficou marcada pelo ataque da Frelimo ao posto do Chai (norte do distrito de Cabo Delgado), a 25 de Setembro de 1974.

Foi, aliás neste distrito e no do Niassa que a subversão se espalhou inicialmente, tirando partido do terreno acidentado e da fraca densidade populacional, afectando sobretudo a etnia Maconde. Só com o anúncio da construção da Barragem de Cabora-Bassa, em 1968, o esforço da guerrilha passou a incidir sobre o distrito de Tete, sobretudo a partir de 1970.

Porque a guerra se travava no Norte, o Comando Militar foi transferido para Nampula de onde todas as operações passaram a ser controladas.

Como na Guiné também em Moçambique se podem considerar dois grandes períodos: aquele em que foi comandante-chefe o General Augusto dos Santos (entre 1962 e 1969), e o período do General Kaúlza de Arriaga (entre 21 de Junho de 1969 e 9 de Junho de 1973).

O primeiro destes chefes militares tentou interditar os eixos de infiltração da guerrilha em Cabo Delgado e no Niassa; tentou manter o nível das operações no mais baixo nível de violência possível. Valorizou a acção socio-económica junto das populações e a sua agregação em aldeamentos, com a cooperação das autoridades civis.

A acção do General Kaúlza de Arriaga, homem de forte personalidade, sem ter posto em causa a acção psicológica junto das populações, impôs um maior pendor militar de que resultaram as grandes operações «Nó Górdio» e «Fronteira», esta última numa tentativa de interditar a fronteira norte.

Estas operações são ainda hoje objecto de controvérsia, sobretudo a primeira, (que envolveu cerca de 8000 homens), já que se trataram mais de operações em termos de guerra clássica do que na de guerrilha. Conseguiu poucos resultados em termos de baixas no inimigo e em armamento capturado mas, por outro lado, conseguiu desarticular toda a estrutura logística e operacional da Frelimo, no Norte.

Em simultâneo a Frelimo deslocou o seu esforço para Tete por causa da Barragem de Cabora-Bassa, ao passo que tentava ultrapassar o rio Zambeze para operar no «Corredor da Beira» a fim de tentar cortar Moçambique ao meio.

Esta manobra teve profundas consequências em ambas as partes. O comando português viu-se na contingência de proteger a barragem e, o que era igualmente fundamental, os itinerários pelos quais a mesma era abastecida de tudo o que fazia falta. Tudo isto estendeu o teatro de operações e as linhas de comunicação, muitíssimo, tanto para nós como para a Frelimo.

Como não tínhamos tropas suficientes para fazer face a estas emergências, apostou-se no recrutamento local, o que veio a dar excelentes resultados.

Porém a região tinha mais população e os diferentes alvos estavam no meio dela e os guerrilheiros também aproveitaram para se misturarem no seu meio, sempre que possível, o que fez aumentar o número de «baixas colaterais». É neste âmbito que se deve enquadrar o muito badalado caso de Wiriamu.
A Frelimo nunca conseguiu, contudo, molestar os trabalhos da barragem, que prosseguiram sempre a bom ritmo, o que se tem de considerar uma das acções mais espantosas dos portugueses nos 600 anos em que se espalharam pelo mundo.

A ultrapassagem do Zambeze resultou em poucos incidentes que, não tendo significado militar, tiveram consequências psicológicas (logo sociais e políticas), graves. Sobretudo na população branca da Província.

Em 1974 ambas as partes sofriam a usura da guerra, mas a parte portuguesa estava menos afectada do que a Frelimo, restando acrescentar que a nossa cooperação com a RAS e a Rodésia estava a aumentar muito, tanto em Moçambique como em Angola.

                                                   *****

Quando as operações militares terminaram as forças portuguesas tinham sofrido um total de 8831 mortos, 8290 do Exército, 346 da FA e 195 da Armada. Feridos e mutilados registaram-se 27 919.

Dos mortos, 261 são naturais do Algarve. Não devem ser esquecidos.

Não existem números quanto a guerrilheiros abatidos, feridos ou capturados.

A União Indiana nunca até hoje revelou as suas baixas durante a invasão do Estado da Índia, acção que vitimou 25 portugueses.

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