Escrevo este artigo na manhã de terça-feira,
20 de Novembro. À tarde haverá uma conferência de imprensa para divulgar os
resultados a que chegou o grupo de trabalho, constituído no fim de 2011, ao
qual foi pedido que apurasse o custo do ensino público por aluno e por ano de
escolaridade. Tenho o documento à minha frente e, embora o artigo que ora
escrevo só saia amanhã, respeito o compromisso que assumi de nada referir antes
da respectiva apresentação pública. Posso, todavia, relembrar factos para a
tinta que vai correr.
A Assembleia da República, que aprova
o Orçamento de Estado, por natureza o documento onde são detalhadas todas as
despesas da Administração Pública, e tem comissões especializadas permanentes,
entre elas uma de Orçamento, Finanças e Administração Pública e outra de Educação,
Ciência e Cultura, pediu ao Tribunal de Contas (Resolução 95/2011, de 6 de
Abril) que apurasse o custo médio por aluno do sistema de ensino. Precisava de
o ter feito? Desconhecia os dados? Não! Visava um efeito político. Recorde-se
que a iniciativa pertenceu ao PSD, após o corte ao financiamento dos colégios
privados com contratos de associação, decidido pelo anterior executivo
socialista. Com efeito, a Portaria nº 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, fixou o
valor do financiamento em 80 080 euros por turma, quando antes andava por volta
dos 114 000, porque, afirmou a ministra Isabel Alçada no parlamento, o custo
médio por aluno do ensino público se cifrava nos 3 735 euros. Logo após a posse
do actual Governo, Nuno Crato, generoso e à revelia rara da receita da troika,
aumentou o financiamento para 85 288 euros por turma. E, embora pendesse o
trabalho encomendado ao Tribunal de Contas, foi incumbido um novo grupo de
«efectuar os estudos necessários para o apuramento do custo real dos alunos do
ensino público por ano de escolaridade, tendo em vista a alteração do modelo de
financiamento público aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo
em regime de contrato de associação» (sublinhado meu). Mais claro, só amanhã!
Mas a conversa promete. Várias fontes já a iniciaram, incensando os cálculos do
Tribunal de Contas que, preto no branco, diz o próprio tribunal, não têm
validade, por datados (os sucessivos pacotes de austeridade derrogaram-nos, sem
apelo nem agravo). Corrijo. Há quem apele e com agravo.
José Manuel Fernandes, citando o
estudo e mais tribunício que o próprio tribunal, disse que a recomendável
privatização da Educação é agora imperiosa. Falou de monopólio por parte do
Estado, ignorando que Portugal ocupa os lugares cimeiros das tabelas que medem
a presença do ensino privado nos sistemas nacionais de ensino. Cita a Holanda
como exemplo, mas não esclarece os indígenas que no modelo holandês o Estado
não permite que as escolas geridas por privados tenham lucro. Perguntava e
respondia em artigo deste jornal, de nove deste mês: «Por onde é que se começam
a cortar quatro mil milhões? Talvez por onde o Estado é ineficiente, como no
quase monopólio da Educação». Criticando Marcelo Rebelo de Sousa, que usou o
vocábulo «vazio» para adjectivar a proposta de Passos Coelho sobre a
redefinição das funções do Estado, convidava-nos a trocar «umas ideias mais
sérias e menos vazias sobre o assunto». Mas cingiu-se, afinal, a insinuar a
necessidade de privatizar a Educação, usando argumentos financeiros e
estatísticos imprecisos ou datados. Com efeito, disse que entre 2009 e 2011 o
sistema público de ensino perdeu 100 mil alunos no ensino básico, outros 100
mil no secundário regular e ganhou 8 500 no superior. Tudo para afirmar que o
custo por aluno aumentou. Mas as estatísticas oficiais (GEPE/ME e GPEARI/MCTES,
citados por PORDATA) mostram que se perderam 52 884 alunos no básico e não 100
mil, 34 640 no secundário e não 100 mil e se ganharam 25 540 no superior e não
8 500. O número total de alunos do sistema público de ensino, considerando a
educação pré-escolar e os cursos de especialização tecnológica, que José Manuel
Fernandes ignora, era 1 902 774 em 2009 e 1 844 317 em 2011. O que dá uma perda
de 58 457 alunos e não os 191 500 sugeridos.
Repensar as funções do Estado sob a «chantagem» de reduzir 4 mil milhões
de euros é a pior forma de o fazer. Mas, acima de tudo, não martelem os dados.
Trocar umas ideias sérias sobre o assunto é uma boa proposta. Adianto algumas:
nos termos da Constituição, o serviço público de ensino é obrigação do Estado;
nos termos da Constituição, os portugueses têm a liberdade privada de criar
escolas privadas; dinheiros públicos não devem pagar serviços privados de
Educação senão quando o Estado não estiver em condições de os prover, termos em
que urge garantir que não se financiam escolas privadas sempre que existam
escolas públicas para acolher os alunos. Como recomendou a troika e o Tribunal
de Contas.
Sem comentários:
Enviar um comentário