terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Qual é o preço da dignidade humana?

Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de São Paulo, Brasil

Eu teria preferido escrever sobre outro assunto esta semana, mas o leilão da virgindade de uma jovem brasileira, amplamente divulgado pela imprensa, requer uma reflexão. É um facto chocante e, ao mesmo tempo, parece tão banal que só chamou a atenção porque o leilão aconteceu de maneira aberta, pela internet, e porque o valor da licitação foi alto. (...)
 
Afinal, o que está acontecendo? As pessoas colocam livremente a sua própria dignidade em leilão em troca de dinheiro? O facto foi acompanhado com curiosidade mórbida e até com claque, para ver até onde a oferta chegaria. Chocar, porquê? Nas calçadas de certas ruas da cidade e em tantas «casas de amor», não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso chame a atenção, ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem queira legalizar a prostituição, como se fosse uma profissão. Tudo se resolve ao nível económico, como traficar pessoas, reduzi-las a escravas, vender bebés, comercializar órgãos humanos...
 
Há quem compre e venda votos nas eleições, comprando e vendendo a própria dignidade; suborne a justiça, pondo em liquidação a própria consciência; compre armas, para usar contra os outros, faça violência, mate, tudo pela vantagem económica. Há quem trafique drogas, lucrando com o comércio da morte; e quem vai roubando o que é dos outros ou de todos: tudo pela vantagem económica que está em jogo...
 
Grande novidade nisto tudo não há; coisas que sempre aconteceram. O novo é que, sem nos darmos conta, estamos a assimilar uma cultura do mercado, na qual o factor económico passou a ser o maior referencial: de uma cultura de valores éticos e morais, para uma cultura de valor económico; o bem maior parece ser a vantagem económica, que tudo permite e legitima, amolecendo qualquer resistência do senso moral. Tudo fica justificado se há vantagem económica. Onde vamos parar?
 
Está na hora de colocar tudo isto em discussão novamente; será que essa tendência cultural vai levar a um aprimoramento das relações humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A uma valorização real das pessoas, ao respeito pela justiça e a paz? Provavelmente não. Certamente não. O ser humano, avaliado sobretudo na óptica da razão económica, deixa de ser pessoa e torna-se objecto quantificável.
 
Nisto também não há grande novidade; no passado houve a exploração dos escravos, dos operários, das mulheres. Mas, sob protesto. O preocupante, agora, é que essa maneira de ver e fazer, passe por aceitável e normal e a própria pessoa «objectivada», outrora considerada vítima, agora seja vista como um sujeito autónomo e livre, que faz o que quer, com a sua dignidade; e tudo vai bem assim...
 
Voltaremos às feiras em que se vendem escravos? Livremente expostos à venda, aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por internet, é um facto que deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da curiosidade mórbida, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco mais de vergonha diante do que está acontecendo. A nossa dignidade comum está sendo leiloada! É deprimente!

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