Eu teria preferido escrever sobre
outro assunto esta semana, mas o leilão da virgindade de uma jovem brasileira,
amplamente divulgado pela imprensa, requer uma reflexão. É um facto chocante e,
ao mesmo tempo, parece tão banal que só chamou a atenção porque o leilão
aconteceu de maneira aberta, pela internet, e porque o valor da licitação foi
alto. (...)
Afinal, o que está acontecendo? As pessoas
colocam livremente a sua própria dignidade em leilão em troca de dinheiro? O
facto foi acompanhado com curiosidade mórbida e até com claque, para ver até
onde a oferta chegaria. Chocar, porquê? Nas calçadas de certas ruas da cidade e
em tantas «casas de amor», não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso
chame a atenção, ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem queira
legalizar a prostituição, como se fosse uma profissão. Tudo se resolve ao nível
económico, como traficar pessoas, reduzi-las a escravas, vender bebés,
comercializar órgãos humanos...
Há quem compre e venda votos nas
eleições, comprando e vendendo a própria dignidade; suborne a justiça, pondo
em liquidação a própria consciência; compre armas, para usar contra os outros,
faça violência, mate, tudo pela vantagem económica. Há quem trafique drogas,
lucrando com o comércio da morte; e quem vai roubando o que é dos outros ou de
todos: tudo pela vantagem económica que está em jogo...
Grande novidade nisto tudo não há;
coisas que sempre aconteceram. O novo é que, sem nos darmos conta, estamos a
assimilar uma cultura do mercado, na qual o factor económico passou a ser o maior
referencial: de uma cultura de valores éticos e morais, para uma cultura de
valor económico; o bem maior parece ser a vantagem económica, que tudo permite
e legitima, amolecendo qualquer resistência do senso moral. Tudo fica
justificado se há vantagem económica. Onde vamos parar?
Está na hora de colocar tudo isto em
discussão novamente; será que essa tendência cultural vai levar a um
aprimoramento das relações humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A
uma valorização real das pessoas, ao respeito pela justiça e a paz?
Provavelmente não. Certamente não. O ser humano, avaliado sobretudo na óptica
da razão económica, deixa de ser pessoa e torna-se objecto quantificável.
Nisto também não há grande novidade;
no passado houve a exploração dos escravos, dos operários, das mulheres. Mas,
sob protesto. O preocupante, agora, é que essa maneira de ver e fazer, passe
por aceitável e normal e a própria pessoa «objectivada», outrora considerada
vítima, agora seja vista como um sujeito autónomo e livre, que faz o que quer, com
a sua dignidade; e tudo vai bem assim...
Voltaremos às feiras em que se vendem escravos?
Livremente expostos à venda, aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por
internet, é um facto que deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da
curiosidade mórbida, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco mais de
vergonha diante do que está acontecendo. A nossa
dignidade comum está sendo leiloada! É deprimente!
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