João J. Brandão Ferreira
Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a URSS implodiu
e, num curto espaço de tempo, teve que dar a independência (apesar de, nalguns
casos, a mesma ser mais formal do que real) a várias «Repúblicas» do seu vasto
império, agregadas a ferro e fogo, à medida que os eslavos russos foram
cavalgando as estepes.
Durante muitas décadas o governo soviético andou a espalhar
guerras pelo mundo, que apelidou de «libertação» na mira e em nome do «internacionalismo
proletário» e na lógica da «Guerra Fria». Ao mesmo tempo que mantinha a sua
bota imperialista sobre a Europa Oriental.
Nunca lhe ocorreu questionar – nem a muitos outros,
nomeadamente os que atacavam Portugal – se o que faziam aos povos contíguos,
não seria colonialismo, ou até pior!
Será que foi por eles terem ido a cavalo e os europeus de
navio?
Livres dos russos e com o comunismo desacreditado logo
rebentaram os nacionalismos na Jugoslávia. Esquecidos os europeus que os Balcãs
são a região mais fracturada e fracturante do velho continente, logo as principais
potências ajudaram ao desmembramento daquele país, sendo os objectivos
díspares.
Nesta acção destacou-se a Alemanha que espoletou,
verdadeiramente, a guerra por aquelas paragens ao reconhecer a Eslovénia, sem
ter dado cavaco à UE e à NATO.
Os EUA escavacaram o resto sem querer saber das
consequências para os europeus, muito menos para as populações da área.
Voltaram a arranjar um inimigo para a NATO – que estava num
impasse sem saber que uso dar aos meios de que dispunha – e inventaram um
Kosovo independente à revelia de qualquer senso político. Afinal aquilo é o «quintal
das traseiras» da Europa, eles que se desengomem!...
A Espanha, na previsão do contágio que semelhante exemplo
podia ter no mal-amanhado (mas muito democrático) xadrez autonómico, que
engendraram, logo se apressou a não reconhecer tal independência.
A época pós Tejero Molina abandalhou muito a Espanha mas, em
Madrid, ainda há quem se lembre que foi capital dos Habsburgo…
O exemplo frutificou: a seguir veio a Checoslováquia que se
separou pacificamente pois não tinha razões para ser de outro modo, dado as
duas partes serem homogéneas e equivalentes e estarem coladas com cuspo.
E começaram a afirmar-se nacionalismos na Escócia, Córsega,
Norte de Itália e os já clássicos País Basco e Irlanda do Norte. Outros
espreitam.
Isto claro, para já não falar na Bélgica que é um país
artificial, que esteve, há pouco, mais de um ano sem governo e que,
aparentemente, só se aguenta por ter no seu solo as sedes da NATO e da UE…
Reveja-se a evolução do mapa político europeu ao longo dos
últimos mil anos e verão que a única fronteira que não mexe é a portuguesa,
desde 1297, salvo os 741 km2 referentes a Olivença e seu termo, ilegalmente
ocupadas por Espanha, desde 1807, seguramente, desde 1815. Coisa de somenos,
certamente, já que não incomoda as almas lusas, à excepção de meia dúzia de «patriotas»,
termo que virou dos mais infamantes…
Mas até do outro lado do Atlântico pode vir a haver
problemas.
Os norte-americanos depois de terem atravessado rapidamente
o continente até ao Pacífico, chacinando os bisontes e os índios, fizeram um
novo país, metendo os indígenas sobreviventes em reservas e conservando a mão-de-obra
escrava vinda de África.
Quando se viram livres dos «Casacas Vermelhas» e retiveram
os impostos só para si, decidiram que também não queriam mais soberanias
europeias no «seu» continente e vá de ajudar a correr com eles.
Depois pensaram que aquelas terras por onde tinham
colonizado portugueses e espanhóis, faziam jeito e logo promoveram a política
da canhoneira, à mistura com a doutrina isolacionista de Monroe, de 1828. O
ponto crucial desta estratégia ocorreu em 1898, com a guerra miserável que
fizeram à Espanha, em Cuba e …… nas Filipinas.
O resto também é conhecido.
Na segunda metade do século XIX as coisas correram de tal
modo mal, que degeneraram em guerra civil entre 1861–1865, entre o Norte
industrializado e o Sul rural, que se queria separar da União e cuja fricção
maior se deveu à emancipação dos escravos.
Esta guerra deixou marcas até hoje, que foram sendo
esbatidas pelo tempo e pelo estatuto de superpotência entretanto conquistado.
Mas eis que, actualmente, os problemas económicos,
financeiros e políticos são de tal monta, que estão a abrir brechas no todo,
com petições a correrem em muitos estados contra o governo federal, algumas
pedindo a independência.
A ficção pode sempre tornar-se realidade e, como diz o povo,
cá se fazem cá se pagam…
*****
Vem tudo isto a propósito do que se vem passando na
Catalunha.
A Catalunha pertenceu ao antigo Reino de Aragão, que foi uma
média potência no século XV, e que se uniu a Castela através do casamento dos
respectivos monarcas, Fernando e Isabel, em 1469. De seguida aqueles que viriam
a ter o título de «Reis Católicos», juntaram forças para a conquista do Reino
de Granada, formando-se deste modo a actual Espanha, em 1492.
E assim se tem mantido apesar da grande revolta entre 1640 e
1652, revolta esta que permitiu aos portugueses sacudirem o jugo Filipino e
voltar a terem uma dinastia nacional, a partir do 1.º dia de Dezembro de 1640 –
data que o actual governo, parceiros sociais e PR querem, estupidamente, anular
da lista dos feriados nacionais, quiçá da memória colectiva.
As feridas voltaram a abrir-se durante a Guerra Civil de
Espanha (1936-1939), entretanto suturadas à força, pela Falange de Franco, mas
não saradas.[1]
Os fantasmas da independência voltaram a surgir nos últimos
anos e a crise financeira só os agudizou.
Vai ser um problema bicudo que os povos da Espanha vão ter
que resolver, de preferência sem derramamento de sangue.
Sendo um problema interno espanhol, o mesmo pode
internacionalizar-se num ápice, como acontece quando qualquer problema possa
ferir interesses de outras potências, independentemente dos «belos» princípios
do Direito Internacional, entretanto proclamados ao ímpeto dos «ventos da
História», sempre soprados por quem goza do poder real, à época.
O que fere os sentidos, no caso vertente, é a impudicícia e
o tom leviano e displicente como é tratado pela comunicação social e nos meios
políticos, um tema dos mais relevantes, como é o caso da soberania das nações.
Dito de outro modo, discute-se, na praça pública, temas
fundamentais da nossa existência como se estivéssemos a combinar uma ida ao
cinema…
Outra coisa que impressiona é ver que a maioria da
argumentação pró e contra a independência ter a ver com a solução política que
garanta um melhor nível de bens materiais.
Então uma Nação e uma Pátria esgotam-se nisso? Tudo se
resume a uma página de um (mau) contabilista, do «deve e do haver»? E se a
situação reverter, muda-se outra vez de camisola?
Tem sido baseado nisto, aliás, que muitas parvoíces têm sido
ditas e feitas, entre nós, sobretudo relativamente à «Região Autónoma da
Madeira», e à argumentação idiota de muitos compatriotas, ao exalarem da boca
para fora que «não se importarem de serem espanhóis, pois lá vive-se melhor».
Já se esqueceram, certamente, que nos anos 40 e 50 do século
XX, os «Manolos» andavam de alpergatas e com um cordel a fazer de cinto, e que
o escudo valia duas pesetas até perto de 1974… Já deviam ter aprendido que os «fumos
da Índia» são efémeros!
De facto as sociedades andam profundamente doentes e
desequilibradas.
Substituir Cristo na Cruz, pelo cifrão da Wall Street, dá
nisto. Como já tinha dado o deserto frio e árido do «Materialismo Dialético», e
como continua a dar a tentativa de substituir todos os Deuses pelo «Supremo
Arquiteto»…
Não estando em causa o princípio da «Autodeterminação dos
Povos» (que, recorda-se, nenhum governo português, até hoje, pôs em causa) não
se pode, também, negar à restante Espanha o direito de se opor aos desígnios
catalães.
A situação está longe de ser simples e pacífica, e para
qualquer lado para onde nos viremos só se vislumbra um enormíssimo «saco de
gatos».
Em primeiro lugar a Espanha corre o risco de se partir toda,
o que não é nada despiciendo de considerar. Depois temos que a Constituição
Espanhola, naturalmente, proíbe separatismos. O Rei e os militares juraram a
Constituição (presume-se que as cabeças dos restantes órgãos de soberania,
idem).
O Rei «comanda» os militares (não é bem como cá); apesar de
ser uma história (ainda) mal contada, foi Juan
Carlos quem meteu os blindados de Milan
del Bosch de novo nos quarteis.
É claro, que nos tempos que correm, já quase ninguém arrisca
morrer por causas, mas estas coisas vão e voltam. Fiquemos por aqui.
Internacionalmente é igualmente complicada a situação. Em
primeiro lugar a nível da NATO e da UE. A confusão seria mais que muita e,
certamente, que a Espanha vetaria a entrada da «nova» Catalunha, nestas
organizações.
A UE, por seu lado, tem muitas responsabilidades neste
estado de coisas, por via do esbatimento de fronteiras, da tentativa de
amalgamento das gentes, da «Europa das Regiões», das negociações directas com
Bruxelas, etc.. A partir do Tratado de Maastricht e do «Euro», o «Politburo»
europeu lançou os países aderentes num movimento uniformemente acelerado rumo
ao desastre e á implosão!
E até pode acontecer que a Catalunha se transforme numa
espécie de Covadonga ao contrário, isto é, local de início da reconquista
muçulmana do «Al Andaluz».
De facto a Catalunha tem a 3.ª maior percentagem de
emigrantes muçulmanos da Europa, depois da França e da Bélgica. E tem
localidades onde essa percentagem sobe aos 40%. São já cerca de 450 000, ou
seja 6% do total. E a maioria deles pertence ao ramo fundamentalista «Salafita»
que defende essa reconquista, e apoia a independência…
Numa perspectiva mais alargada, convém lembrarmo-nos que o
antigo Reino de Aragão não se confinava à Península Ibérica, entrava pelo sul
de França (Aquitânia e Midi Pirenéus). Ora não estamos a ver a França, que já
tem o problema do País Basco e da Córsega, teve três guerras com a Alemanha,
com a questão da Alsácia Lorena sempre presente e tem outras potenciais zonas
de fractura, a olhar para uma eventual independência da Catalunha de ânimo
leve.
Do Reino de Aragão fizeram parte ainda as Baleares e a
Comunidade Valenciana, hoje regiões autónomas (são 19…). Estas manter-se-ão
assim ou quererão integrar um novo país?
Já agora, os antigos Reinos de Nápoles e das Duas Sicílias
também foram Aragão durante muito tempo. Ficarão imunes? Aqui a questão será
mais pacífica, mas o Estado Italiano, em pré bancarrota e com potenciais acções
de secessão nas fronteiras do Norte, ficará tranquilo?
Quem aparenta estar tranquilo é o Estado Português, «no
passa nada»!
Só tem olhos, ouvidos e narizes para a «Troika». Anda de
trela curta.
A esmagadora maioria da população tem dificuldade em se
aperceber o que se passa, habituada (e anestesiada) que está a espreitar a «casa
dos segredos» e empenhada nos eventos futebolísticos, que de nacional já quase
não têm nada a não ser as dívidas.
Começou agora a vir para a rua, em desespero, gritar que lhe
estão a ir ao bolso, depois de três décadas em que lhes calaram a consciência
com «subsídios» emprestados, férias e eletrodomésticos a cartão de plástico e
muita demagogia, a troco de votos…
O Governo continua, alegremente, a desmantelar os pilares da
Soberania, sobretudo o mais importante de todos que é a Instituição Militar
(parou um pouco nas polícias pois tem as barbas a arder).
E o Senhor Ministro para a tropa, perdão, da Defesa, anda
empolgado em fazer acordos de defesa com a Espanha (com ou sem a Catalunha?)…
Para além dos problemas económicos que daí advirão, existem
dois grandes perigos para o nosso país resultantes de um conflito na Catalunha:
evitar que os «cacos» venham parar ao lado de cá da fronteira (recorde-se
novamente a Guerra Civil de Espanha); e precaver-nos contra uma eventual
tentativa de cobrança compensatória, relativamente a Portugal, como já
aconteceu noutras crises do passado – Olivença também foi vítima disso –
nomeadamente na sequela da Guerra de 1898, já citada.
A questão do contágio do exemplo para o nosso país não
parece crível – apesar de tudo, a atitude do Dr. Jardim e dos seus sequazes,
não passa de uma chantagem barata e de mau gosto, mesmo assim, inadmissível.
Portugal é o Estado–Nação mais coeso e perfeito, em todo o
mundo e sempre exportou o seu modo de ser para todo o mundo onde arribou e só
se foi desintegrando por acções externas.
Mas, cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a
ninguém.
O Mundo foi sempre um local perigoso.
E tem dias piores.
[1] Outros marcos que merecem referência são a perda completa da autonomia da Catalunha, em 1714, na sequência da Guerra da Sucessão de Espanha e o renascimento moderno da autonomia política, no final do século XIX através do «Movimento Renaixença», onde pontificou Francesc Cambó.
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