Vasco
Graça Moura
Toda a gente viu, nos serviços noticiosos de televisão, a horda ululante e
desvairada que ao fim da tarde de 14 de Novembro atacou as forças da polícia em
frente a São Bento.
A arruaça promovida por essa associação de malfeitores ao longo de mais de uma
hora, insultando e agredindo as forças da ordem, praticando danos avultados em
bens públicos, causando um tumulto inaceitável e agindo com violência
incendiária e criminosa só impunha um tipo de actuação por parte da polícia:
varrer aquela canalha selvática desde a primeira agressão e sem quaisquer
contemplações.
A PSP optou por esperar pacientemente, talvez tempo demais, sujeitando-se a
toda a espécie de vexames até lhe ser mandado que impusesse o respeito da ordem
pública. E então agiu e agiu bem, embora pudesse ter agido muito melhor se
tivesse ali por perto um carro da água para limpar à mangueirada, depressa e
eficazmente, a escadaria do Parlamento e adjacências.
Em qualquer país civilizado, a reacção policial teria sido bem mais dura e
expeditiva.
Tratou-se de uma perturbação intencional e muito violenta da ordem pública, da
integridade e da segurança de pessoas e bens, levada a cabo no espaço público e
à vista de toda a gente por um grupo de facínoras sem escrúpulos.
Essa perturbação foi filmada por operadores de televisão, sem nenhum
condicionamento que não fosse a própria natureza tumultuária do que estava a
acontecer. Isto é, não há aqui nenhuma espécie de segredo profissional nem
parece que a cobertura pela imagem de um facto, criminoso ou não, ocorrido no
espaço público, implique a protecção de qualquer espécie de sigilo profissional
dos jornalistas intervenientes.
No caso, eles não precisaram de se documentar em fontes mais ou menos
discretas. Os factos de agressão e distúrbio a que me refiro não são fontes a
cuja protecção sigilosa os jornalistas tenham direito.
As fontes são as fontes. Os factos são os factos. O serviço público
precisamente está em documentá-los e, tratando-se de crimes, em ser dada a
necessária colaboração por quem dispõe desses documentos às autoridades
públicas competentes para identificação dos agressores.
Nem se vê que colha a distinção entre imagens editadas ou não editadas. Se não
fosse assim, e quando, por hipótese, um determinado jornalista pretendesse
favorecer um bando de criminosos, bastar-lhe-ia editar convenientemente as
imagens, suprimindo delas tudo o que permitisse identificá-los e pretextar o
sigilo profissional para se escusar a mostrá-las.
É pelo menos bizarro o entendimento da Comissão Nacional de Protecção de Dados,
nos casos a que se refere o DN de 24 de Novembro (incidentes de rua a 21 e 29
de Setembro, o primeiro, aquando da reunião do Conselho de Estado, e o segundo,
na manifestação da CGTP), refugiando-se em qualificações e objecções ociosas e
especiosas que só podem redundar na protecção dos infractores e do crime.
Não é para isso, estou em crer, que a referida comissão existe.
Compreende-se que Miguel Macedo pretenda garantir o acesso da PSP a imagens não
editadas, sem margem para quaisquer dúvidas jurídicas. Os formalismos,
malabarismos e manobrismos proporcionados por um Direito inconsistente que foi
sendo constituído em nome do politicamente correcto e de todas as escapatórias
possíveis à assunção de quaisquer responsabilidades sérias levam o ministro da
Administração Interna a sentir como necessária a emissão de parecer por parte
do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
É todavia um excesso de escrúpulo da sua parte. O DN também noticia, a par da
opinião que vai no sentido dessa legitimidade, uma outra, segundo a qual
«tal procedimento poderá configurar violação do sigilo profissional dos
jornalistas».
Naquele «poderá» é que está o centro de gravidade da argumentação
capciosa, muito especialmente em se tratando de acesso a imagens colhidas no
espaço público, e sem que houvesse ou haja qualquer fonte a proteger... Vive-se
um tempo de crise da autoridade e de insegurança crescente.
Há muitos aspectos em que a Justiça em Portugal tem sido uma vergonha.
Bom seria que, pelo menos nalguns, como neste caso, deixasse de o ser
rapidamente.
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