José António Cerejo,
Público, 11 de Outubro de 2015
Tablets prometidos
em troca da inscrição dos sócios demoram meses a chegar e suscitam críticas.
Muitos dos novos sócios desistem após receberem a oferta. Associação diz que o
assunto não tem interesse público.
A grande maioria das queixas prende-se com os
atrasos na entrega de tablets prometidos a novos aderentes.
O site da Deco, o Portal da Queixa e algumas
páginas do Facebook, incluindo a da própria Deco, apresentam desde há meses
centenas de reclamações de sócios daquela associação de consumidores que protestam
contra o alegado incumprimento das obrigações por ela assumidas nas suas
campanhas de angariação de membros.
A grande maioria das queixas prende-se com os
atrasos na entrega dos tablets sem marca prometidos pela Deco
aos novos sócios desde Outubro do ano passado. Mas há muitas outras que se
dirigem genericamente àquilo que os seus autores designam de «publicidade
enganosa» por parte da associação, nesta e noutras campanhas em que são
prometidos brindes aos aderentes.
A direcção da associação de consumidores reconhece
a existência de atrasos na entrega dos tablets, que atribui à
«incapacidade do fornecedor dar resposta ao número de pedidos», muito superior
ao esperado, mas recusa-se a responder às perguntas concretas que lhe foram
dirigidas pelo PÚBLICO.
Apesar de a Deco se fazer notar há muitos anos por
um estilo promocional muitas vezes classificado como agressivo, a campanha que
está em curso até 31 de Janeiro deixou muitos consumidores estupefactos. «Um tablet por
2 euros? Não pode ser verdade!» Comentários como este encheram as redes sociais
logo que as baterias de marketing da Deco levaram a mensagem a quem anseia por
uma pechincha, e também a quem está farto de ser incomodado, por telefone,
carta e email, com as campanhas.
A oferta da maior associação de consumidores
portugueses aos novos sócios consiste no envio gratuito de quatro das suas
revistas, no acesso às restantes vantagens atribuídas aos sócios e, finalmente,
conforme se lê no seu site, na entrega de «um presente de boas-vindas: um fantástico tablet».
Em contrapartida, os interessados tinham
inicialmente de pagar apenas dois euros, através de uma autorização de débito
directa na sua conta bancária. Este valor correspondia a dois meses de
subscrição, preço que subia para 6,75 euros nos dez meses seguintes e —
percebia quem lesse a totalidade dos materiais promocionais — para o custo
normal da subscrição ao fim de um ano: 13,60 euros mensais.
Entretanto o preço inicial de dois euros por dois
meses subiu para cinco euros, sem que a Deco explique o motivo, nem sequer
confirme a data em que isso aconteceu, provavelmente no início do Verão. Os
«termos e condições da oferta» avisam, contudo, que «qualquer aumento no preço
das subscrições será anunciado com antecedência [nas publicações da
organização] e, em seguida, aplicado automaticamente».
De acordo com as «condições gerais» da oferta, os
novos subscritores (é assim que a Deco se refere normalmente aos associados)
recebem as revistas três semanas depois da recepção do pedido de adesão. Logo a
seguir, sem se comprometer claramente com qualquer prazo, a associação diz que,
«após o primeiro pagamento», recebem o «presente de boas-vindas» com uma
garantia de dois anos.
Atraso ou expediente?
Particularmente atractiva para muitos dos alvos da
campanha é a cláusula que fixa a possibilidade de cancelamento da subscrição em
qualquer momento, sem qualquer explicação e ficando o ex-sócio «com o que já
recebeu», neste caso o tablet e as revistas.
Foi graças a ela que um número indeterminado de
candidatos ao tablet se fizeram sócios, desistindo logo após a
recepção do «presente». A acreditar no que muitos escrevem nas redes sociais, o
único objectivo que tinham era receber a «máquina», havendo quem confesse que
se voltou a inscrever logo a seguir, para receber outro tablet —
facto que as respostas da Deco a algumas reclamações acessíveis no seu site
confirmam. Outros houve que inscreveram a família toda com o mesmo fim,
cancelando de imediato as inscrições.
A enxurrada de novos sócios explica, segundo a
Deco, a ruptura dos stocks de tablets, e os atrasos de meses na
entrega dos mesmos. Alguns dos que aderiram à campanha e agora se queixam
acusam no entanto a associação de atrasar as entregas como expediente para
receber mais dinheiro, uma vez que a partir do segundo mês o valor mensal
cobrado é de 6,75 euros.
A grande maioria das reclamações e protestos tem a
ver com a demora dos tablets, sendo que muitas delas assumem
erradamente que havia um compromisso de entrega no prazo de três semanas (o
qual respeitava apenas às revistas). Muitas outras, porém, visam a alegada
fraca qualidade e deficiência de funcionamento dos tablets. Com
frequência, os queixosos perguntam então: e agora a quem é que os consumidores
se vão queixar da Deco?
Contactada pelo PÚBLICO, a associação recusou-se a
prestar qualquer informação concreta sobre temas como o número de pessoas que
aderiram à campanha, o número de tablets já entregues, o
número de cancelamentos de subscrições por parte dos novos sócios, o número de
reclamações recebidas e respondidas, ou o investimento global feito com a
campanha.
Em resposta, o novo director de edições da
organização, Nuno Fortes (que entrou em funções no mês passado e não faz parte
dos órgãos sociais da associação), diz que «a maioria dos dados» solicitados
«fazem parte da estratégia de gestão» da Deco. «Embora [esses dados] sejam
escrutináveis através dos relatórios que anualmente publicamos, não são
partilháveis a priori, quando, no nosso ajuizamento, não está
sequer em causa qualquer actuação menos lícita nem um tema de interesse
público», escreve Nuno Fortes.
O Relatório de Actividades e Contas da Deco
relativo a 2014 não faz, todavia, qualquer referência à campanha dos tablets,
nem a qualquer outra do género. De acordo com esse relatório, a associação teve
no ano passado um lucro de 289.931 euros, dos quais 271.597 respeitam a 25% dos
lucros da Deco Proteste Editores Lda, a empresa proprietária da Proteste e das
outras revistas distribuídas pela organização.
O capital da Deco Proteste Editores é partilhado
pela empresa luxemburguesa Euroconsumers SA, que detém 75% das acções, e pela
Deco, com 25%. As quotizações pagas pelos cerca de 400 mil sócios da associação
somaram três milhões e quarenta mil euros.
No email enviado ao PÚBLICO, Nuno
Fortes afirma que os problemas surgidos com a campanha dos tablets têm
origem na «incapacidade do fornecedor em dar resposta ao número de pedidos,
embora tenha acelerado a produção de novos aparelhos». A adesão de novos
subscritores tem estado acima das «melhores expectativas» da Deco, acrescenta,
garantindo que os atrasos de quatro e cinco meses referidos nalgumas
reclamações respeitam, «na sua esmagadora maioria», a «casos excepcionais de
novos associados que forneceram contactos errados e/ou insuficientes».
Em todo o caso, salienta Nuno Fortes, «o número de
desistências/cancelamentos é ínfimo e incomparável com a entrada de novos
associados». Para «minorar o impacto negativo» do atraso na entrega dos
equipamentos, a associação assegura que tem tido o cuidado de informar «através
de comunicação específica todos os novos associados desta demora e do seu
fundamento, o que não é sinónimo de que todos estejam disponíveis para
compreender o motivo alegado ou que não dêem conta do seu descontentamento
publicamente».
Queixas idênticas noutros países
Tal como em Portugal, também nos outros três países
europeus em que existem associações de consumidores ligadas à sociedade
Euroconsumers SA surgiram inúmeros protestos relacionados com a campanha dos tablets.
Isto porque a OCU (Organización de Consumidores Y Usuarios), de Espanha, a Test
Achats belga e a Altroconsumo italiana têm no terreno campanhas idênticas às da
Deco, em que são oferecidos os mesmos tablets aos novos
sócios.
O conceito é exactamente o mesmo e os materiais
promocionais utilizados são muito semelhantes, o mesmo acontecendo com os sites
das associações e com as revistas publicadas. As diferenças mais notórias
prendem-se com o preço da subscrição e com os prazos de entrega dos aparelhos.
Enquanto que a Deco e a OCU começaram por pedir
dois euros para que os novos sócios pudessem receber o «presente» e depois
subiram para cinco euros, a Test Achats e a Altroconsumo mantêm-se nos dois
euros. Quanto aos prazos, ao contrário da Deco que não indica um prazo limite
para a entrega, a OCU garante que ele será entregue no prazo máximo de dois
meses, a Test Achats indica três meses e a Altroconsumo seis meses.
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