João José Brandão Ferreira
A Sociedade Portuguesa de 1974 ao Presente
«Uma Nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em
seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda.»
Rui Barbosa
Em termos sociais e políticos a Revolução que se seguiu ao
golpe de estado ocorrido em 25 de Abril de 1974, foi como se o paredão de uma
grande albufeira tivesse explodido: a água jorrou fora, em catadupas invadindo
as margens de uma forma anárquica.
Quando, muito a custo, após 25 de Novembro de 1975, se
conseguiu voltar a colocar a água (isto é, o povo e os políticos) dentro do
leito do rio – uma sociedade organizada em Estado/Nação – decretou-se oficial e
oficiosamente, que o dito leito não voltaria a ter margens ou tendo-as, seriam
muito flexíveis. E quanto a “barragens” estávamos conversados, eram passado e
negro.
Foi a época de grandes mudanças comportamentais, de querer
experimentar tudo e de tudo ser posto em causa.
As convenções
sociais quase ruíram, as instituições nacionais foram seriamente abaladas, a
disciplina social anarquizou-se.
A estrutura
familiar, o ensino e a vida nas empresas foram sacudidas por uma agitação
avassaladora. Ruíram conceitos e preconceitos e o que era bom ontem, passou a
mau hoje. Ficou tudo baralhado de referências.
A situação
mais gravosa que adveio – se assim se pode qualificar – foi a tábua rasa que se
fez da hierarquia: a hierarquia na política, nas FAs, nos órgãos do Estado, nas
empresas, nas escolas, na família. Falhada a tentativa de, sobre estes
escombros, instalar um regime totalitário, ficámos assim.Ora a
hierarquia é fundamental para manter uma disciplina e originar uma ordem. É um
requisito para haver autoridade. Ficámos, pois, sem autoridade, ou seja sem a
capacidade de poder decidir e de implementar decisões sobre todo o largo
espectro da vida nacional.
As leis que se
fizeram espelharam toda esta situação, e ainda espelham.
Toda a gente
achou, a começar nas forças políticas que despontaram um pouco por todo o lado,
cujas mensagens eram ampliadas extraordinariamente pelos “media”, que o futuro
seria cor-de-rosa e que todos os cidadãos tinham direito a ser bafejados com
essa cor. Daqui nasceu a “ditadura” dos direitos sobre os deveres, o que também
ficou consagrado nas leis, desde Constituição da República ao Código Penal, dos
Regulamentos das Escolas ao Código do Trabalho. Restou apenas uma excepção: os
regulamentos militares mas, à custa de muita insistência lá os conseguiram, também,
esfarelar.
Nem os
seminários escaparam…
A pouco e
pouco (levou cerca de 10 anos), a situação foi normalizando, os excessos mais
extremos foram burilados e os diferentes sectores da sociedade foram-se
adaptando às mudanças ocorridas. A demagogia da luta política/partidária
manteve, sem embargo, o excessivo predomínio dos direitos sobre os deveres, o
laxismo na instrução e no aparelho judicial e a conflitualidade nas relações de
trabalho.
Acabou-se com
o serviço militar obrigatório (um erro trágico) e com qualquer espírito de
serviço à Nação. O único dever que restou foi o de pagar impostos!
Por outro lado
deixaram de fazer escola, um conjunto de preceitos morais, como honradez,
lealdade, solidariedade, esforço, poupança, probidade, prudência, etc., que
eram enformadores da sociedade.
A boa educação
degradou-se e o esbatimento da «censura» social desregulou e desbragou a vida
do dia-a-dia.
Tudo isto
aumentou os níveis de insegurança, criminalidade e falta de vergonha.
O atraso no
desenvolvimento do interior do país, e a atracção do litoral, despovoou os
campos e as aldeias, ao passo que se criou nas cinturas das grandes cidades –
sobretudo Lisboa e Porto, mas também, em Braga, Leiria, Setúbal, Coimbra e
outras - uma população sub urbana algo desenraizada e com problemas próprios.
Os conflitos gerados nos Palop’s após a independência, a pobreza em largos
espaços da terra e o facto de os portugueses passarem a recusar exercer
determinadas actividades profissionais, levaram à vinda para Portugal de várias
centenas de milhares de emigrantes.
A situação
social voltou a agravar-se há cerca de 10 anos com o aparecimento em força de «temas fracturantes» e também com o ataque à religião cristã, nomeadamente aos
católicos, num esquecimento imprudente dos erros da Primeira República.
Em síntese,
podemos afirmar que vivemos uma tentativa de implantação de uma «ditadura
ideológica e de costumes», misto de jacobinismo serôdio da Revolução Francesa e
de ideias derivadas (e actualizadas!) do Maio de 68, em França, cuja
disseminação é propalada pela maioria dos órgãos de comunicação social (com
aumento exponencial a partir das emissões dos canais de televisão privados).
Em tudo isto
abunda o relativismo moral, que virou as referências e o «norte» de pernas para
o ar; a Teoria do «Bom Selvagem» inventada há mais de 200 anos pelo genebrino
Rousseau, que tem levado a uma desresponsabilização colectiva, e a ideia de não
colocar todos os «ovos no mesmo cesto», o que estilhaçou a autoridade e a
capacidade de se obterem resultantes na vida individual e colectiva. Em
complemento fomentou-se um individualismo, egoísmo e hedonismo feroz,
centrando-se a vida da sociedade e a própria existência, no «eu». E, claro, de
propaganda avassaladora relativa a consumismo.
Hoje vive-se a correr. Não há tempo para
reflectir, nem para abarcar e digerir a complexidade de tudo. O materialismo
domina o espírito.
Não é só a
economia e as finanças que se pretendem globais. A informação já o é, e verte
sobre todos nós dilúvios de notícias. Tudo condiciona tudo.
É uma
sociedade neste estádio, de que apenas tentámos dar um retrato breve, em que
todos teremos de obrar o futuro e as estratégias que se conseguirem delinear.
Sem entender isto e ter tudo isto por base, não se obterá sucesso em nada.
A crise
económica e financeira internacional, que se estará a abater sobre nós,
actualmente no seu clímax, vai obrigar a repensar toda a nossa maneira de ser e
estar.
Há sempre males que vêm por bem.
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