terça-feira, 20 de março de 2012

Mudar ou triturar?


João Cândido da Silva, Jornal de Negócios
 

Entre os políticos, a coerência não é um ponto forte. Perante as conveniências conjunturais, esta virtude até pode transformar-se num estorvo. Os exemplos são abundantes. E Pedro Passos Coelho acaba de acrescentar mais um.

O ponto de partida está no livro que o actual primeiro-ministro publicou em Janeiro de 2010, pouco mais de um ano antes de se candidatar à liderança do Governo e de conseguir alcançar o objectivo. Logo no arranque da obra, com letra branca sobre fundo negro, o autor de «Mudar» condenava os maus hábitos dos políticos quando têm de se relacionar com a verdade. E criava a expectativa de que, consigo, as práticas seriam diferentes.

Na época, o País já estava a caminho do abismo. Mas o Governo assobiava para o lado e prometia o paraíso. Crítico, Passos Coelho afirmava: «apesar de, frequentemente, os políticos não terem o hábito de dar as más notícias às pessoas, talvez por recearem que as mensagens acabem por matar o 'mensageiro', a informação abundante sobre a realidade que nos rodeia e a nossa própria experiência impedem-nos de fechar os olhos aos graves problemas que têm surgido».

Pois bem. Era uma má notícia aquela que Henrique Gomes iria anunciar se, a 7 de Março passado, não tivesse sido impedido de intervir numa conferência. Responsável, no Governo, pela correcção das rendas excessivas pagas pelos contribuintes que alimentam as demonstrações de resultados dos produtores de energia, o ex-secretário de Estado da Energia tinha um aviso importante para fazer à opinião pública. Os preços da electricidade poderiam subir mais de 10% em 2013. E o agravamento da factura até poderia chegar a 30%, caso não houvesse um diferimento da liquidação de uma das categorias de subsídios que beneficiam o sector energético.

Sabe-se, agora, como a história acabou. Ao contrário do que Pedro Passos Coelho preconizou na abertura do livro em que expôs o seu diagnóstico e as suas reflexões sobre os caminhos de saída para os problemas do País, não só as más notícias foram censuradas, como o «mensageiro» viu decretado o seu óbito político. Talvez porque, como Henrique Gomes explicou, lutar por uma causa em que está em jogo combater benefícios injustificados que uns obtêm à custa dos bolsos de muitos outros é uma causa merecedora de mais dedicação do que a baixa política que se limita a gerir interesses, nem que para isso tenha de se vergar.

Tudo isto podia ser catalogado como apenas mais um episódio infeliz num acidentado período de duas semanas em que o Governo deu sinais preocupantes de ser uma casa onde há muita gente a mandar vir, mas em que não se sabe quem manda. E seria injusto generalizar, porque verdades e más notícias são terrenos que o Governo não hesitou em pisar noutras ocasiões, colocando a sua popularidade no cepo. Mas se, em política, o que parece é, o tema tem outras leituras.

A primeira tem a ver com as prioridades estabelecidas pelo Governo. Renegociar rendas, na energia ou noutro sector, é uma das tarefas mais difíceis da actual governação, porque os beneficiários souberam assegurar os seus privilégios. Pior, ainda, ficou o cenário, pelo facto de a privatização da EDP se ter realizado antes da revisão dos contratos que a beneficiam, o que acrescentou um cadeado à corrente que ata o Estado de pés e mãos. Depois, é certo que ficaram as promessas de que as rendas são para cortar. Mas também ficou a dúvida sobre se o Governo está determinado em alargar os sacrifícios aos accionistas da EDP ou se apenas tem força para triturar secretários de Estado com objectivos e vontade de os realizar.

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