João Cândido da
Silva, Jornal de Negócios
Entre os políticos,
a coerência não é um ponto forte. Perante as conveniências conjunturais, esta
virtude até pode transformar-se num estorvo. Os exemplos são abundantes. E
Pedro Passos Coelho acaba de acrescentar mais um.
O ponto de partida
está no livro que o actual primeiro-ministro publicou em Janeiro de 2010, pouco
mais de um ano antes de se candidatar à liderança do Governo e de conseguir
alcançar o objectivo. Logo no arranque da obra, com letra branca sobre fundo
negro, o autor de «Mudar» condenava os maus hábitos dos políticos
quando têm de se relacionar com a verdade. E criava a expectativa de que,
consigo, as práticas seriam diferentes.
Na época, o País já
estava a caminho do abismo. Mas o Governo assobiava para o lado e prometia o
paraíso. Crítico, Passos Coelho afirmava: «apesar de, frequentemente, os
políticos não terem o hábito de dar as más notícias às pessoas, talvez por
recearem que as mensagens acabem por matar o 'mensageiro', a informação
abundante sobre a realidade que nos rodeia e a nossa própria experiência
impedem-nos de fechar os olhos aos graves problemas que têm surgido».
Pois bem. Era uma má
notícia aquela que Henrique Gomes iria anunciar se, a 7 de Março passado, não
tivesse sido impedido de intervir numa conferência. Responsável, no Governo,
pela correcção das rendas excessivas pagas pelos contribuintes que alimentam as
demonstrações de resultados dos produtores de energia, o ex-secretário de
Estado da Energia tinha um aviso importante para fazer à opinião pública. Os
preços da electricidade poderiam subir mais de 10% em 2013. E o agravamento da
factura até poderia chegar a 30%, caso não houvesse um diferimento da
liquidação de uma das categorias de subsídios que beneficiam o sector
energético.
Sabe-se, agora, como
a história acabou. Ao contrário do que Pedro Passos Coelho preconizou na
abertura do livro em que expôs o seu diagnóstico e as suas reflexões sobre os
caminhos de saída para os problemas do País, não só as más notícias foram
censuradas, como o «mensageiro» viu decretado o seu óbito político.
Talvez porque, como Henrique Gomes explicou, lutar por uma causa em que está em
jogo combater benefícios injustificados que uns obtêm à custa dos bolsos de
muitos outros é uma causa merecedora de mais dedicação do que a baixa política
que se limita a gerir interesses, nem que para isso tenha de se vergar.
Tudo isto podia ser
catalogado como apenas mais um episódio infeliz num acidentado período de duas
semanas em que o Governo deu sinais preocupantes de ser uma casa onde há muita
gente a mandar vir, mas em que não se sabe quem manda. E seria injusto
generalizar, porque verdades e más notícias são terrenos que o Governo não
hesitou em pisar noutras ocasiões, colocando a sua popularidade no cepo. Mas
se, em política, o que parece é, o tema tem outras leituras.
A primeira tem a ver
com as prioridades estabelecidas pelo Governo. Renegociar rendas, na energia ou
noutro sector, é uma das tarefas mais difíceis da actual governação, porque os
beneficiários souberam assegurar os seus privilégios. Pior, ainda, ficou o
cenário, pelo facto de a privatização da EDP se ter realizado antes da revisão
dos contratos que a beneficiam, o que acrescentou um cadeado à corrente que ata
o Estado de pés e mãos. Depois, é certo que ficaram as promessas de que as
rendas são para cortar. Mas também ficou a dúvida sobre se o Governo está
determinado em alargar os sacrifícios aos accionistas da EDP ou se apenas tem
força para triturar secretários de Estado com objectivos e vontade de os
realizar.
Sem comentários:
Enviar um comentário