quarta-feira, 21 de março de 2012

A provocação de Mexia

Helena Cristina Coelho, Diário Económico








O problema tem um nome e um número: chama-se défice tarifário energético e custa 3,2 mil milhões de euros. É esta a medida do fosso entre aquilo que custa a energia consumida em Portugal e aquilo que efectivamente os portugueses pagam.

O problema tem, pelo menos, três soluções: cobrar mais impostos, agravar a factura dos clientes ou aplicar taxas às produtoras de energia. As duas primeiras vão directas à carteira de contribuintes e consumidores, a terceira é uma golpada nas receitas das empresas. Não é preciso ser bruxa para adivinhar as reacções que se seguiram à decisão da «troika» quando recomendou ao Governo que seguisse pela terceira via. Para a maioria dos portugueses, era um alívio, ainda que temporário, dos seus castigados orçamentos. Para as grandes produtoras de energia, foi uma declaração de guerra. Na corrida contra o excesso de subsídios e apoios estatais à produção energética, este foi o cavalo de batalha em que Henrique Gomes também apostou. O homem que liderou a pasta da energia até à última semana, entrou em campo movido por uma causa. Primeiro, tentou negociar com as empresas, nomeadamente com a EDP, para reduzir a factura dos Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual, que rendem à empresa liderada por António Mexia uma fatia generosa de receitas. Fracassadas as negociações, em Setembro do ano passado, o Governo pensou em lançar uma contribuição especial sobre a produção de electricidade. Um mês depois, deixa cair a ideia. Pelo caminho, há um secretário de Estado que exige uma revolução e se vê barricado, há um ministro das Finanças que torna essas mudanças reféns de uma venda da EDP, e ainda um primeiro-ministro que negoceia tréguas para manter as águas serenas. E agora, feita a privatização, nada pode mudar, porque devia ter mudado antes. A história dos últimos dias provou que o ministério da Economia - e o seu secretário de Estado, Henrique Gomes - apostaram no cavalo certo, mas foram abatidos antes de tempo. Só que o problema mantém-se: chama-se défice tarifário e a meta do Governo é reduzi-lo a zero até 2020. Para chegar lá, seria um trunfo precioso contar com um aliado como António Mexia. Não aquele que hoje é presidente da EDP, mas sim o António Mexia que, em 2006, quando integrou o Compromisso Portugal, assinou um texto «provocatório» onde defendia que «a ambição que é hoje obrigatória para Portugal, exige em muitos casos grandes transformações ou mesmo rupturas com modelos e formas de funcionamento anteriores». Mais, dizia o gestor, "terão que se assumir sacrifícios no curto prazo por forma a obter vantagens no médio prazo, devendo esta geração evitar carregar inutilmente as próximas". Provavelmente, esqueceu-se de acrescentar uma nota ao seu próprio texto: «Desde, claro, que isso não toque nas receitas da EDP...»

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