quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico das Campanhas Ultramarinas III (1954-1974)


João José Brandão Ferreira


Angola
«O inimigo atira pela porta da capela paroquial. Salvem-nos. Morremos portugueses.»
Apelo pela rádio dos heróicos defensores de Mucaba antes de serem salvos pela acção da Força Aérea, 30 de Abril de 1961

Angola possuía uma dimensão enorme com 1 264 314 Km2 (14,5 vezes a Metrópole), com 4837 km de fronteira terrestre e 1650 de orla marítima. Luanda estava a 7300 km de

Lisboa e para se atingir Lourenço Marques era preciso percorrer mais 3000 km.

A maioria da fronteira terrestre era permeável à guerrilha que se movimentava livremente no Congo, no Zaire e na Zâmbia. Só as fronteiras da Rodésia e da República da

África do Sul eram seguras para nós.

Angola era escassamente povoada, apenas com 4.800.000 habitantes (cerca de 4/Km2), dos quais 95,5% eram negros, 3,5% brancos e 1,1% de mestiços. Existiam 94 etnias diferentes, distribuídas por nove grupos etnico-linguísticos.

No fim do conflito o número de combatentes portugueses contabilizava cerca de 70.000 homens e o inimigo cerca de 11.000.

Eram dois os principais partidos clandestinos que actuavam em Angola; a União dos povos de Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – que chegou a formar o GRAE, governo provisório da República de Angola no exílio; e o Movimento Popular de Libertação de Angola.

Outros movimentos menores vieram a desaparecer ou a integrar o MPLA ou a FNLA.

Finalmente surgiu, em 1966 e apenas no Leste de Angola, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que era dissidente da FNLA.

A FNLA foi fundada, em 1958, em Acra (Gana), era chefiada por Holden Roberto, não era marxista e era apoiada pelo Zaire; o MPLA, fundado em 1960, era chefiado, desde 1962, por Agostinho Neto, de linha marxista soviética e apoiado pelo Congo-Brazaville e, mais tarde (1965), pela Zâmbia; a UNITA, chefiada por Jonas Savimbi, foi criada no interior de Angola (Moxico), em 1966, apoiava-se no Congo Kinshasa e era de ideologia algo indefinida.

Todos os três movimentos lutaram entre si, pela via das armas e diplomaticamente, para conseguirem o reconhecimento internacional, nomeadamente no seio da OUA. Esta rivalidade foi sempre muito favorável a Portugal.

O ataque a Angola teve início com o genocídio efectuado pela UPA a partir de 15 de Março de 1961, e tinha sido antecedido pelos graves incidentes da Baixa do Cassange, em 11 de Janeiro de 1960, que foram duramente reprimidos pelas autoridades portuguesas; e pelo ataque à cadeia de S. Paulo, à Esquadra da PSP e à Casa de Reclusão em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961.

Tal ataque tinha a intenção de causar o pânico e a originar a fuga da população branca, mas teve uma resposta da nossa gente à altura das suas melhores tradições, com a população a aguentar firme, ajudada com os magros reforços militares logo enviados. Tal resposta teve a sua definição política e épica, na célebre frase de Oliveira Salazar: «Para Angola rapidamente e em força», que só foi possível proferir – é bom que se recorde – após ter sido frustrada a tentativa de golpe de estado palaciano encabeçado pelo ministro da defesa Botelho Moniz.

Deste modo, em menos de seis meses foi reocupado toda a área do norte de Angola afectada pela subversão e que representava cerca de duas vezes o tamanho de Portugal continental. Tal acção, é justo recordar, deve-se à acção do notável militar que foi o General Silva Freire, morto em trágico acidente aéreo, após cinco meses de ter tomado posse como Comandante-Chefe.

A seguir a esta recuperação a luta contra a FNLA apertou-se, confinando-a a pequenas bolsas na área dos Dembos, nunca permitindo o alastramento da subversão para sul, situação que estava estabilizada em 1965.

Num supremo esforço a FNLA tentou, nesse ano, uma ofensiva em três locais diferentes, com efectivos de 3 batalhões, mas foi desbaratada.

O MPLA tentou a sua sorte em Cabinda, a partir de 1962, mas nunca se fixou no interior do território por nunca ter tido a adesão da população. Porém, a partir de 1965 tanto o MPLA como a FNLA deixaram de actuar na fronteira de Cabinda.

O MPLA mudou-se, então, para a fronteira leste, montando as suas bases do outro lado da fronteira ameaçando directamente os distritos da Lunda, Moxico e Cuando Cubango. Em Maio de 1966 iniciou a guerrilha e causou séria ameaça no Moxico até 1970. A estratégia do MPLA consistia em fazer convergir as suas forças do Norte e do Leste, no Bié, posição central no território.

A UNITA tinha-se antecipado ao MPLA na subversão das populações do leste de Angola e tentou um ataque frontal a Teixeira de Sousa no Natal de 1966, onde sofreu uma forte derrota. A UNITA instalou-se então a Sudeste do Luso e não contava com mais de 500 guerrilheiros vivendo, sobretudo, do saque. Savimbi viria a fazer um acordo de paz tácito, com as autoridades portugueses que só foi quebrado após o general Bettencourt Rodrigues ter abandonado o comando da frente leste.

A partir de 1967, as autoridades portuguesas mudaram a sua estratégia de contra subversão.

Deu-se prioridade à conquista das populações e ao desenvolvimento socio-económico; centralizou-se e definiu-se melhor as competências dos diferentes órgãos, a fim de se conseguir uma melhor coordenação das actividades civis e militares (o que foi alargado aos outros teatros de operações).

Em 1970, com a nomeação do general Costa Gomes para Comandante-chefe, este transferiu a prioridade das acções militares do Norte para o Leste, colocando nesta zona 13 batalhões e criou a Zona Militar Leste com uma área de 600 000 km2 e adaptou todo o dispositivo. Esta zona passou a ser comandada desde 31 de Março de 1971 pela grande figura do general Bettencourt Rodrigues. A sua acção, em menos de três anos derrotou completamente o MPLA e neutralizou a UNITA e estabeleceu a paz e cooperação com todas as populações gentílicas - a chamada «batalha das almas».
            

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