João José Brandão
Ferreira
Introdução
«Não deixeis que ninguém toque no território
nacional. Conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o
vosso principal dever. Não ceder, vender ou trocar ou por qualquer
forma alienar a menor parcela de território, tem de ser sempre o vosso mandamento
fundamental. Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo,
procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império,
expulsai-o do convívio da Nação.»
Norton de Matos
Exortação aos Novos
de Portugal, 1953)
Em 1974 (até ao 25
de Abril), as FFAA portuguesas dispunham de cerca de 220 000 homens espalhados
por quatro continentes e outros tantos oceanos, que combatiam em três teatros
de operações distintos: Angola, Moçambique e Guiné. O grosso das forças
militares pertencia ao Exército que integrava cerca de 190 000 homens; a Marinha
cerca de 13 000 (190 navios com 90 000 t) e a FA cerca de 17 000 homens (e 700
aeronaves). Cerca de 50% destes efectivos pertenciam ao recrutamento local e
não incluíam as milícias.
A situação militar
em Angola estava resolvida; em Moçambique havia alguma actividade de guerrilha,
sobretudo nos distritos de Cabo Delgado e Tete; e na Guiné tinham surgido
algumas dificuldades em consequência da exiguidade e clima do território, do
reforço em armamento recebido pelo PAIGC e, sobretudo, porque as nossas tropas
tinham perdido a supremacia aérea, desde Março de 1973.
Em mais nenhum
território português houve qualquer problema, tendo apenas sido necessário
ultrapassar certa agitação registada em Macau, em 1966, devido à Revolução
Cultural em curso na República Popular da China.
Em todo o lado havia
forças militares, policiais e serviços de informação, em vigilância permanente,
incluindo na então Metrópole, onde já se tinha verificado uma ou outra
perturbação da ordem pública e até actos de sabotagem com origem no PCP e
organizações de extrema-esquerda.
Os territórios
portugueses que formavam o Estado Português da Índia, estavam ocupados
militarmente, pela União Indiana, o que constituía uma ocupação de facto mas
não de jure, já que o Conselho de Segurança da ONU não validara tal acto (o que
foi vetado pela então URSS), e o Tribunal da Haia tinha dado razão a Portugal
na questão de Dadrá e Nagar-Aveli. Por outro lado o governo português nunca
reconheceu qualquer direito à UI sobre Goa, Damão e Diu e continuava a eleger
deputados à Assembleia Nacional, por aqueles territórios.
Vamos ver
sucintamente como chegámos até esta situação.
O Mundo pós II
Guerra Mundial
«Em todas as partes
do mundo por onde andei, ao ver uma ponte perguntei quem a tinha feito,
respondiam, os portugueses; ao ver uma estrada fazia a mesma pergunta e
respondiam: os portugueses. Ao ver uma igreja ou uma fortaleza, sempre a mesma
resposta, portugueses, portugueses, portugueses. Desejava pois que da acção
francesa em Marrocos daqui a séculos seja possível dizer o mesmo.»
Marechal Lyautey
No fim da guerra,
Portugal era um país mais coeso e próspero do que no início da mesma. E não
perdera nada de seu. Apenas Timor tinha sido invadido e ocupado, primeiro por
holandeses e australianos e, depois, por japoneses. Virtuosismo diplomático e
firme determinação do governo português, de então, fê-lo retornar à nossa
soberania plena, em Setembro de 1945.
No fim da guerra
emergiram duas superpotências: os EUA e a URSS.
Com a Europa em
ruínas e os exércitos desmobilizados a Oeste, veio o mundo ocidental a ser
confrontado com a ameaça ideológica e imperialista da URSS e dos seus
satélites. Deste modo foi criada a NATO, em 1949, para fazer face à nova ameaça
militar, e deu-se início ao plano Marshall para ajudar a recompor a vida
económica e social na Europa, que estava fora do jugo soviético.
Do outro lado
desenvolveu-se o Pacto de Varsóvia, em 1955 e o COMECON.
A situação política
militar entrou num impasse, com os diferentes exércitos alinhados frente a
frente pois, entretanto, tinha surgido a arma atómica cujo efeito destruidor
era de tal forma poderoso que, há partida, garantia a destruição mútua dos
contentores. Entrou-se, deste modo, numa espécie de equilíbrio do terror.
Para obviar a este
impasse desenvolveram-se diferentes estratégias indirectas de fazer a guerra, a
mais importante das quais foi a capacidade de influenciar países terceiros.
Para tal tornava-se
necessário obrigar à retirada política dos países europeus, ditos
colonialistas, de todos os territórios que tutelavam fora da Europa. Tal
desiderato foi facilitado por três grandes ordens de razões: primeiro porque as
derrotas ocidentais no Oriente tinham quebrado o mito da invencibilidade do
homem branco; depois porque quase todas as potências ocidentais fizeram
promessas aos povos indígenas de autonomia progressiva, se estes os ajudassem
contra as potências do Eixo; finalmente e mais importante, porque a saída dos
europeus de África e da Ásia, interessava por razões diferentes mas confluentes
no propósito, à URSS e aos EUA.
Na América Central e
Sul o conflito entre as duas superpotências prolongou-se através da política da
canhoneira e protecção a ditaduras que defendiam os interesses capitalistas dos
EUA, e à criação de movimentos subversivos por parte da URSS. Cuba é, ainda
hoje, o expoente vivo deste confronto.
Estas posições
vieram a confluir no movimento anti – colonialista e terceiro-mundista que teve
o seu ponto alto na conferência de Bandung, em 1955, onde pontificaram três
líderes mundiais da causa: Nasser, Tito e Sukarno.
Começaram, assim, a
surgir um pouco por todo o lado movimentos emancipalistas, normalmente
liderados por naturais dos diferentes territórios, formados na respectiva
Metrópole. A esmagadora maioria deles era de inspiração marxista com pendor,
stalinista, trotskista ou maoísta. A luta no terreno passou, também e
progressivamente, para a ONU.
Portugal, que não
tinha em rigor, nada a ver com tudo isto, foi apanhado na tormenta e sofreu-lhe
as consequências.
Primeiro no
subcontinente indiano, onde após a sua independência da Inglaterra, a União
Indiana – sem qualquer razão da sua parte – começou a reivindicar a posse dos
nossos territórios de Goa, Damão e Diu; depois, quando entrámos para a ONU, em
1955, e nos foi perguntado se, ao abrigo do artigo 73 da Carta, tínhamos a
declarar algum território não autónomo sob a nossa administração.
A resposta negativa
e pronta de Portugal desencadeou uma tempestade política e diplomática dentro
daquela organização, que pretende ser a fonte principal do Direito
Internacional, e que nunca mais parou até ao 25/4/1974.
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