terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









Introdução

 «Não deixeis que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever. Não ceder, vender ou trocar ou por qualquer forma alienar a menor parcela de território, tem de ser sempre o vosso mandamento fundamental. Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo, procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império, expulsai-o do convívio da Nação.»
Norton de Matos
Exortação aos Novos de Portugal, 1953)
     
Em 1974 (até ao 25 de Abril), as FFAA portuguesas dispunham de cerca de 220 000 homens espalhados por quatro continentes e outros tantos oceanos, que combatiam em três teatros de operações distintos: Angola, Moçambique e Guiné. O grosso das forças militares pertencia ao Exército que integrava cerca de 190 000 homens; a Marinha cerca de 13 000 (190 navios com 90 000 t) e a FA cerca de 17 000 homens (e 700 aeronaves). Cerca de 50% destes efectivos pertenciam ao recrutamento local e não incluíam as milícias.

A situação militar em Angola estava resolvida; em Moçambique havia alguma actividade de guerrilha, sobretudo nos distritos de Cabo Delgado e Tete; e na Guiné tinham surgido algumas dificuldades em consequência da exiguidade e clima do território, do reforço em armamento recebido pelo PAIGC e, sobretudo, porque as nossas tropas tinham perdido a supremacia aérea, desde Março de 1973.

Em mais nenhum território português houve qualquer problema, tendo apenas sido necessário ultrapassar certa agitação registada em Macau, em 1966, devido à Revolução Cultural em curso na República Popular da China.

Em todo o lado havia forças militares, policiais e serviços de informação, em vigilância permanente, incluindo na então Metrópole, onde já se tinha verificado uma ou outra perturbação da ordem pública e até actos de sabotagem com origem no PCP e organizações de extrema-esquerda.

Os territórios portugueses que formavam o Estado Português da Índia, estavam ocupados militarmente, pela União Indiana, o que constituía uma ocupação de facto mas não de jure, já que o Conselho de Segurança da ONU não validara tal acto (o que foi vetado pela então URSS), e o Tribunal da Haia tinha dado razão a Portugal na questão de Dadrá e Nagar-Aveli. Por outro lado o governo português nunca reconheceu qualquer direito à UI sobre Goa, Damão e Diu e continuava a eleger deputados à Assembleia Nacional, por aqueles territórios.

Vamos ver sucintamente como chegámos até esta situação.

O Mundo pós II Guerra Mundial

«Em todas as partes do mundo por onde andei, ao ver uma ponte perguntei quem a tinha feito, respondiam, os portugueses; ao ver uma estrada fazia a mesma pergunta e respondiam: os portugueses. Ao ver uma igreja ou uma fortaleza, sempre a mesma resposta, portugueses, portugueses, portugueses. Desejava pois que da acção francesa em Marrocos daqui a séculos seja possível dizer o mesmo.»
Marechal Lyautey

No fim da guerra, Portugal era um país mais coeso e próspero do que no início da mesma. E não perdera nada de seu. Apenas Timor tinha sido invadido e ocupado, primeiro por holandeses e australianos e, depois, por japoneses. Virtuosismo diplomático e firme determinação do governo português, de então, fê-lo retornar à nossa soberania plena, em Setembro de 1945.

No fim da guerra emergiram duas superpotências: os EUA e a URSS.

Com a Europa em ruínas e os exércitos desmobilizados a Oeste, veio o mundo ocidental a ser confrontado com a ameaça ideológica e imperialista da URSS e dos seus satélites. Deste modo foi criada a NATO, em 1949, para fazer face à nova ameaça militar, e deu-se início ao plano Marshall para ajudar a recompor a vida económica e social na Europa, que estava fora do jugo soviético.

Do outro lado desenvolveu-se o Pacto de Varsóvia, em 1955 e o COMECON.

A situação política militar entrou num impasse, com os diferentes exércitos alinhados frente a frente pois, entretanto, tinha surgido a arma atómica cujo efeito destruidor era de tal forma poderoso que, há partida, garantia a destruição mútua dos contentores. Entrou-se, deste modo, numa espécie de equilíbrio do terror.

Para obviar a este impasse desenvolveram-se diferentes estratégias indirectas de fazer a guerra, a mais importante das quais foi a capacidade de influenciar países terceiros.

Para tal tornava-se necessário obrigar à retirada política dos países europeus, ditos colonialistas, de todos os territórios que tutelavam fora da Europa. Tal desiderato foi facilitado por três grandes ordens de razões: primeiro porque as derrotas ocidentais no Oriente tinham quebrado o mito da invencibilidade do homem branco; depois porque quase todas as potências ocidentais fizeram promessas aos povos indígenas de autonomia progressiva, se estes os ajudassem contra as potências do Eixo; finalmente e mais importante, porque a saída dos europeus de África e da Ásia, interessava por razões diferentes mas confluentes no propósito, à URSS e aos EUA.

Na América Central e Sul o conflito entre as duas superpotências prolongou-se através da política da canhoneira e protecção a ditaduras que defendiam os interesses capitalistas dos EUA, e à criação de movimentos subversivos por parte da URSS. Cuba é, ainda hoje, o expoente vivo deste confronto.

Estas posições vieram a confluir no movimento anti – colonialista e terceiro-mundista que teve o seu ponto alto na conferência de Bandung, em 1955, onde pontificaram três líderes mundiais da causa: Nasser, Tito e Sukarno.

Começaram, assim, a surgir um pouco por todo o lado movimentos emancipalistas, normalmente liderados por naturais dos diferentes territórios, formados na respectiva Metrópole. A esmagadora maioria deles era de inspiração marxista com pendor, stalinista, trotskista ou maoísta. A luta no terreno passou, também e progressivamente, para a ONU.
Portugal, que não tinha em rigor, nada a ver com tudo isto, foi apanhado na tormenta e sofreu-lhe as consequências.

Primeiro no subcontinente indiano, onde após a sua independência da Inglaterra, a União Indiana – sem qualquer razão da sua parte – começou a reivindicar a posse dos nossos territórios de Goa, Damão e Diu; depois, quando entrámos para a ONU, em 1955, e nos foi perguntado se, ao abrigo do artigo 73 da Carta, tínhamos a declarar algum território não autónomo sob a nossa administração.

A resposta negativa e pronta de Portugal desencadeou uma tempestade política e diplomática dentro daquela organização, que pretende ser a fonte principal do Direito Internacional, e que nunca mais parou até ao 25/4/1974.

Sem comentários: