sábado, 25 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas IV (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









Guiné

«Não Senhor, tudo isto foi feito pelos portugueses; nós não fizemos nada, nós só estragámos»
Cor. Celestino de Carvalho
CEMFA da República da Guiné-Bissau – 1996

A Guiné com 36.125 km2 (sensivelmente o tamanho do Alentejo), dos quais apenas 28.000 km2 estavam acima do nível do mar (os restantes eram submersos diariamente pelas marés). A Guiné tinha 680 km de fronteira terrestre com a República do Senegal e da Guiné-Conakri, onde o PAIGC tinha os seus “santuários”. Era à data do início da subversão, um território pobre, com um clima insalubre, com cerca de 550 000 habitantes divididos por 17 etnias, das quais metade islamizados e metade animistas. Existiam cerca de 3000 brancos e 5000 mestiços. A maioria da administração pública era ocupada por cabo-verdianos com escolaridade elevada. A economia do território era incipiente e baseava-se no sector primário.

Bissau encontrava-se a 3400 km de Lisboa e a 4000 km de Luanda.

Os movimentos subversivos na Guiné datam de 1952, ano em que foi criado o Movimento para a Independência da Guiné, por Amílcar Cabral.

Este movimento transformou-se, em 1956, no PAIGC dirigido por Rafael Barbosa e o mesmo Amílcar Cabral. Outros movimentos surgiram, mas não singraram à excepção da FLING, a Frente de Luta para a Libertação da Guiné, dirigida por Mário Jonas Fernandes. A partir de 1964 só estes dois movimentos subsistiam, mas a FLING veio a perder importância face ao crescimento do PAIGC, fortemente apoiado por Sekou Touré, Presidente da Guiné-Conakri, por Cuba e pela URSS.

A 3 de Agosto de 1959, houve incidentes no cais do Pigiguiti, em Bissau, causados por greves de que resultaram alguns mortos. Este caso é considerado como o antecedente próximo do início da guerrilha. O PAIGC não cometeu os mesmos erros que a UPA em Angola. Preparou melhor os seus quadros; treinou e armou os seus homens e doutrinou melhor algumas populações antes de iniciar a luta armada. Esta, porém, já não apanhou as autoridades portuguesas desprevenidas.

No fim do conflito as tropas portuguesas somavam cerca de 32.000 homens e o PAIGC rondava os 5000 combatentes (mais uns 1500 milícias).

A insurreição armada teve lugar a 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite a que se seguiram acções militares na zona do Xime e na península de Cacine. Daqui o PAIGC derivou para Nordeste para a região do Boé.

Em fins de 1963 já se encontravam na Guiné cerca de 16.000 homens idos da Metrópole, que desenvolveram, ainda nesse ano, a grande operação Tridente na Ilha de Como.

Existem dois grandes períodos distintos da guerra na Guiné: aquele em que o governador e comandante-chefe era o Brigadeiro Arnaldo Schultz (entre 1964 e 1968) e outra, que percorre o período em que tais cargos foram ocupados pelo general António de Spínola (entre 1968 e 1973). No primeiro período as acções de contra subversão foram feitas sobretudo em termos de guerra clássica o que não levou a grandes resultados.

O general Spínola rodeou-se de um estado-maior maioritariamente escolhido por si e, depois de estudar a situação do território, elaborou um conceito de acção baseado em várias frentes: militar, mas agora em termos de acção de contra guerrilha; e sobretudo no âmbito político, psicológico e socio-económico, tentando conquistar as populações para o lado português, subtraindo-as à guerrilha. Esta última acção teve grande sucesso.

Passou a constituir aldeamentos em auto-defesa, a distribuir armas às milícias e a constituir unidades militares em que, à excepção dos quadros, todos os combatentes eram guineenses.

Quando achou a situação madura, estabeleceu contactos com chefes da guerrilha para estes desertarem da luta, o que esteve quase a acontecer, vindo porém a terminar num massacre dos nossos negociadores.

O general Spínola abandonou algumas áreas do território o que é discutível em termos tácticos e quis alargar o âmbito das conversações agora com a ajuda do governo do Senegal. Esta intenção foi impedida pelo governo de Lisboa o que levou a um desaguisado grave com o Professor Marcello Caetano o que deve ser considerado a origem remota do 25 de Abril.

Por outro lado o PAIGC, depois do assassinato do seu líder Amílcar Cabral (efectuado pela ala mais extremista do movimento e não pela PIDE), veio a intentar um aumento da acção militar de modo a forçar uma derrota portuguesa.

Esta ofensiva deu-se a partir de Março de 1973, com a introdução dos mísseis anti-aéreos «SAM-7 Strella», o que acabou com a supremacia aérea, mas não com a superioridade aérea portuguesa; a que se seguiu um ataque em simultâneo às guarnições de Guidage na fronteira norte, e Guilege, na fronteira sul. Esta ofensiva militar culminou com uma ofensiva política, com a declaração unilateral de independência, em 24 de Setembro desse ano.

Deve acrescentar-se que esta ofensiva militar foi muito dura mas, no final, foi ganha pelas tropas portuguesas.

O general Spínola não quis ficar mais tempo na Guiné e foi substituído pelo general Bettencourt Rodrigues, talvez o melhor general de todo o sendo XX português. O que era prova de que o governo de Lisboa não achava que a Guiné estava perdida e a queria defender.

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